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24
jul
2014

“O hospital só atendia quem estivesse com o carnê em dia”

Sitônio PintoOtávio Sitônio Pinto*

Porta de hospital é um dos lugares mais perigosos do Brasil. São frequentes as notícias sobre gente que morre sem atendimento na porta do hospital. A pessoa bate à porta, mas ela não se abre. É inútil implorar, gritar por socorro: a porra não se abre. Ou, se abrir, o funcionário diz que aquele não é um hospital público, que só atende clientes particulares ou que tenham plano de saúde conveniado com o hospital, em dia. E o paciente morre na soleira da porta, sem atendimento.

Recentemente, foi a vez do vigilante Nelson França, 48. O fato se deu no dia 18 deste mês de julho, na porta do Hospital Santo Expedito, na zona leste de São Paulo, capital econômica da América do Sul. Nelson passou mal na lotação e desceu do veículo em frente ao hospital. Mas não foi socorrido, pois não tinha dinheiro para pagar a consulta, nem era filiado a um plano de saúde conveniado com o hospital. Ele ficou deitado no chão, na porta, onde agonizou por mais de uma hora, até morrer.

O enfermeiro plantonista, Leonardo Brambila, impediu que a vítima fosse socorrida por dois funcionários do Santo Expedito, e que outros pacientes conduzissem Nelson para dentro do hospital. Alguém chamou os bombeiros. Quando os soldados do fogo chegaram, o médico plantonista do Santo Expedito apareceu e disse que Nelson estava em óbito. Os bombeiros reanimaram o vigilante e levaram-no para o pronto socorro, distante apenas 150 metros. Foi inútil, pois Nelson morreu mesmo, a caminho do socorro.

A direção do Santo Expedito disse que o hospital tem uma rubrica para cobrir despesas de atendimento com pessoas carentes, e que nunca havia acontecido isso antes, mas Nelson morreu depois de pedir socorro por mais de uma hora. É o que documenta o vídeo de um popular que filmou a cena, mostrada pela televisão em rede nacional. Socorro, socorro – gritava Nelson para o Brasil, no filme do aparelho celular. A democratização da eletrônica permite o milagre do povo ser repórter de suas tragédias.

Eu já procurei um hospital – o extinto Pronto Socorro de Fraturas –, após um acidente de moto. Você tem fratura? – Perguntou a moça da portaria. É o que venho saber – respondi. Isto aqui é um hospital de fraturas – definiu a moça. Eu sei, por isso mesmo vim pra cá, – retruquei. E saí sem atendimento, em busca de outro hospital. Faz quanto tempo que você foi acidentado? – perguntou o médico que me atendeu no outro hospital. Não faz meia hora – disse eu. E por que o ferimento já necrosou? – Isto não é necrose, é asfalto – explicou um segundo doutor que me examinava. E rasparam o asfalto.

Eu tinha três fraturas no pulso, mas ninguém percebeu, pois não eram expostas. Só foram descobertas meses depois, por conta de uma dor permanente. Vai doer o resto da vida – afirmou o terceiro médico ao me examinar no terceiro hospital. As fraturas consolidaram fora do eixo e não convém mexer, pois esses ossinhos do pulso são complicados – explicou o bom doutor. Agora mesmo, neste momento em que escrevo, estão doendo. Mas só dói quando me lembro – digo eu ao prestimoso leitor.

O colega Marcone Lucena, revisor do jornal Correio, morreu no hospital sem atendimento, após um desastre no seu bug. Marcone tinha plano de saúde, mas estava sem o carnê do último mês. O hospital só atendia quem estivesse com o carnê em dia. O bravo Marcone, lutador de judô, deu uma surra no gerente do jornal, mas morreu no hospital sem socorro médico.

Outro foi o colega Carbureto. Tinha fama de doido. Carbureto vendia joias, conduzidas numa pasta zero-zero-sete. Não sei como nunca foi roubado. Um dia, foi acidentado. Levaram Carbureto para o hospital. Mas Carbureto não tinha plano de saúde. Telefonem para o Doutor Gaudêncio – pedia Carbureto. Ele era afilhado dos Gaudêncios, naquele tempo com mandatos eletivos. Morava na casa de um deles. Não atenderam nem telefonaram. Carbureto foi a óbito, como se diz no hospital, onde morreu.

Os brasileiros são danados para morrer em porta de hospital. Que lugar perigoso! Deviam procurar outro, discreto, como fazem os elefantes quando querem morrer.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


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