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21
out
2014

“Foi a maior correria na Confeitaria Glória, ninguém quis ficar pra testemunha. Teve nego que saiu sem pagar”

Sitônio PintoOtávio Sitônio

Existe uma recomendação para não se escrever sobre esta eleição n’A União. Sábia recomendação, pois um governador já morreu por mau uso do jornal do Estado num ano de eleições. Outro foi cassado, mais recentemente. Um morreu em 1930. Você não é desse tempo? Eu sou. O governador tinha a patente de presidente. O jornal vinha esculhambando com algumas famílias da Paraíba. Detratou a mais não poder a família do advogado João Duarte Dantas. Não poupou nem sua namorada, a professora e poeta Anayde Beiriz. Aí o Doutor João Dantas detonou o presidente João Pessoa, quando este foi ao Recife:

– João Pessoa, eu sou João Dantas, a quem tanto humilhastes!

Pôu, pôu, pôu. Foi a maior correria na Confeitaria Glória, ninguém quis ficar pra testemunha. Teve nego que saiu sem pagar. Levaram o presidente para uma farmácia das redondezas. Morreu no balcão. O presidente perdera a eleição para presidente da República, em que fora candidato a vice na chapa do Doutor Getúlio. Deram um golpe de estado por conta dessa morte, o Golpe de Trinta, que durou até 1945. Foi a primeira ditadura que o Brasil sofreu. Desaguou noutra pior, o Estado Novo. Eu vi tudo.

A família Dantas deu a moléstia com o ato do Doutor João Dantas, pois o Doutor João Pessoa já estava liquidado politicamente, perdera a eleição e não se falava mais nesse assunto. Mas sua morte violenta ressuscitou-o politicamente, e ao movimento do qual fizera parte, a Aliança Liberal. Haja golpe. Mudaram até o nome da Capital. Os Dantas não se conformam com o gesto do Doutor Dantas, pode crer. Pergunte a eles. Se não fosse João, – dizem os Dantas, – o Doutor João Pessoa teria passado como passou Solon de Lucena ou qualquer presidente de seu tempo.

Silveira Dantas, líder da família, teria dito: “porque ele fez isso, um rapaz de futuro! Tivesse me dito que ia fazer, eu tinha quem fizesse!” E chorou, os Dantas não choram, só em Trinta. Doutor João Dantas tinha futuro, Doutor José Américo considerava-o como o maior advogado de seu tempo, era seu sócio na banca que mantinha com o Doutor João da Mata. Pense nos três. “No júri não era brilhante, mas nas razões era imbatível”, disse o Doutor José Américo nas suas memórias. Mas o Doutor João Dantas era bravo que só, já não se fazem mais doutores como aquele. Pôu, pôu, pôu.

Balearam e prenderam o Doutor João Dantas, e o sangraram na prisão, com seu cunhado, o Doutor Augusto Caldas. Haviam armado a fuga dos doutores, tinham amigos no governo de Pernambuco, mas o Doutor João Dantas não quis, queria ir a júri. Não quis nem o recurso do habeas corpus, queria ficar preso e ir a júri mesmo. Mas não julgaram o Doutor, sangraram os prisioneiros.

Tudo isso por causa d’A União. Eu, hein. Estava próximo, não me impliquem. Deram um golpe, botaram o presidente da República abaixo, Doutor Washington Luís, impediram a posse do presidente eleito, Doutor Júlio Prestes. A situação durou até 1945, quando a Segunda Guerra Mundial terminou. Doutor Getúlio era germanófilo.

Desta vez, não deixaram A União entrar na briga. Fizeram bem, A União é um jornal de Estado, não de governo; não deve se envolver em lutas políticas. Tá vendo no que deu o abuso do jornal em Trinta? No golpe e na ditadura de 1930-1945. Getúlio copiou Mussolini, com licença da má palavra, o outro também, o da Espanha idem, o de Portugal ibidem. Era o padrão de ditador. Será que A União teve alguma coisa a ver? É bom não se envolver em brigas de brancos, a História se repete.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


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