sáb
25
out
2014

“Os guerrilheiros assaltavam os bancos particulares – nunca um banco público foi assaltado – para financiar a guerrilha, pois não se podia votar”

Sitônio PintoOtávio Sitônio

Pela primeira vez em meio século fui pesquisado. Estou me referindo às pesquisas de intenção de voto. Eu não acreditava nas tais pesquisas, simplesmente porque ninguém me perguntou em quem eu ia votar. Desse meio século como eleitor, a metade foi debaixo de uma ditadura militar – de 1964 a 1988. A ditadura terminou em 1988 porque foi o ano em que a atual Constituição foi promulgada.

Falam em fazer uma nova Constituição. Você já contou quantas constituições o Brasil teve? Vamos contar? Constituição Luso-Brasileira (1822), a Constituição da Independência (1834), a da República (1891), a do Golpe de 30 (1937), a do Golpe de 37 (1937), a da Primeira Redemocratização (1946), a do Golpe de 1964 (1967), a do Golpe de 1968 (1969), a da Segunda Redemocratização (1988). Nove constituições. Enquanto isso, os Estados Unidos – primeiro país a ter uma constituição – ainda está na da Independência.

Voltando às pesquisas eleitorais: nunca nenhum instituto havia me consultado em quem eu ia votar. Nos 25 anos de ditadura essa seria uma pergunta cretina, pois ninguém de bom senso iria revelar numa pesquisa sua intenção de voto. Até porque o voto não existia. Não se votava para presidente, nem para governador, nem para prefeitos das grandes cidades, nem para um terço do Senado. Esses cargos tinham seus ocupantes nomeados. Eram os biônicos.

Só se votava para deputado e vereador. As eleições eram indiretas. E só havia dois partidos, o do governo e outro – que não se dizia de oposição. Esta estava na clandestinidade, nos aparelhos revolucionários. Os guerrilheiros assaltavam os bancos particulares – nunca um banco público foi assaltado – para financiar a guerrilha, pois não se podia votar. Assaltavam-se também os quartéis, para se adquirir armamento: “a arma do guerrilheiro é a arma do seu inimigo”, rezava a cartilha de guerrilha de Carlos Marighela, traduzida em muitos idiomas. Devia ser adotada nas escolas públicas, mas tem na Internet.

As pesquisas deviam ser proibidas, pois o voto é secreto. E se a intenção do fulano for informada aos poderosos? O eleitor pode sofrer uma perseguição por conta de sua intenção. Ainda mais porque as pesquisas atuais são feitas pelo telefone: o instituto telefona para o eleitor e pede para a vítima teclar um número, caso vote em beltrano ou sicrano, ou em branco.

Outra mais que os resultados anunciados pelas pesquisas podem influenciar a decisão dos eleitores. Assim, os resultados anunciados podem ser dirigidos nesse sentido. É o que dizem alguns candidatos quando estão perdendo. O TSE devia fazer uma pesquisa oficial para conferir com os números revelados pelos institutos. O IBGE podia fazer esse trabalho. E os institutos serem chamados à responsabilidade, em caso de muita disparidade nos resultados.

Como eu ia dizendo, dessa vez fui pesquisado três vezes. As duas primeiras consultas que o instituto me fez eu não respondi, desliguei o telefone. Pois o tal instituto telefonou terceira vez, como o galo do Evangelho. Aí eu respondi, quero dizer, teclei. Era uma gravação, e não se conversa com gravação. Teclei, a voz da gravação agradeceu e desligou. Nem sequer disse para qual instituto estava pesquisando.

Continuo sem fazer fé nas ditas pesquisas, mas, dessa vez, pelo menos fui pesquisado. Presumo que minha intenção faça parte de algum dos resultados anunciados. Será uma intenção universal, mas não secreta. O meu voto estará associado ao número do meu telefone. Não fosse isso, as eleições até que podiam ser feitas pela Internet ou por telefone, como fazem os institutos e os bandidos do crime organizado, que dão golpes sem sair do presídio – às vezes em nome do Governo. E não adianta chiar.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


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