sáb
01
nov
2014

“Ela tem a sabedoria dos prisioneiros, que proporcionou a Camões o texto d’ Os Lusíadas e a Graciliano Ramos as Memórias do Cárcere”

Sitônio PintoOtávio Sitônio

É de se perguntar se cabe uma ação de injúria diante das declarações de inconformados do Sul e Sudeste com a recente derrota da oposição na eleição presidencial. O Sul e o Sudeste, mais o Centro Oeste, não conseguiram eleger presidente da República o neto de Tancredo Neves. Só por isso, algumas pessoas dessas regiões não poupam diatribes contra nortistas e nordestinos – principalmente estes últimos –, a quem atribuem a eleição de Dona Dilma Roussef.

Nortistas e nordestinos são chamados de bovinos e muares, e de preguiçosos que vivem à custa do Bolsa Família “enquanto o Sul trabalha”. Em primeiro lugar, é necessário definir o gênero a que os brasileiros setentrionais pertencem: se o gênero bovino ou o híbrido muar, ou quiçá humano. Ao depois, perguntar-se porque o maior colégio eleitoral do Brasil – o Sudeste – não elegeu presidente ao neto de Tancredo.

Ora, o Nordeste é apenas o segundo colégio eleitoral do Brasil, e sozinho não poderia ganhar a eleição, inda mais contra a participação do Sul – terceiro colégio – e do Centro Oeste. A região de Lula só contava com o apoio do Norte (quarto colégio), que estava parcialmente dividido, pois alguns estados nortistas deram vitória ao candidato de Minas Gerais, que perdeu no seu estado por meio milhão de votos.

Como foi que o candidato da situação ganhou? Sua vitória foi possível porque contou com a votação de alguns estados populosos, como Minas Gerais (segundo colégio entre os estados) e Rio de Janeiro (terceiro colégio entre os estados). Quer dizer: o Sul e o Sudeste estavam divididos, enquanto o Nordeste votou blocado na mineira Dilma Roussef (72% dos votos válidos).

Os nove estados do Nordeste, mais o semiárido do Norte de Minas (área incluída no Polígono das Secas e no Nordeste Legal, onde goza dos incentivos da Sudene), e os estados mais representativos do Norte, votaram na ex guerrilheira Dilma Roussef.

Esta última qualificação – a de guerrilheira – é a que mais dói nos direitistas do Sul, saudosos da ditadura que Dilma e seus camaradas derribaram. Os machistas e reacionários não aceitam que uma mulher, ainda mais guerrilheira, ocupe a presidência da República. Mas Dilma saiu do cárcere e dos porões da tortura para comandar o Brasil.

Antes, a presidente Dilma chefiou o Colina – Comando de Libertação Nacional, depois ampliado na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), junto a Carlos Mariguela e ao capitão Carlos Lamarca, mártires da ditadura militar.

O Colina, a VPR e a prisão foram a grande escola de Dilma. A cadeia lhe deu três anos de reflexão (a dharma dos budistas) que lhe mostraram a iluminação política. Quando se pergunta, nas entrevistas ou nos debates da televisão, questões de gaveta para a presidente, ela já traz a resposta amadurecida nos anos de silêncio do cárcere. Ela tem a sabedoria dos prisioneiros, que proporcionou a Camões o texto d’ Os Lusíadas e a Graciliano Ramos as Memórias do Cárcere.

O inconformismo daqueles sulistas revela uma ignorância muito grande do que seja o Brasil, ignorância a respeito de sua própria região, de longe a mais populosa do País. Outra mais que atribuem ao programa Bolsa Família o sucesso de Dilma. Ora, o Bolsa Família teve início com FHC, e no Sul, Sudeste e Centro Oeste há mais beneficiários desse programa de que nas regiões Norte e Nordeste. É só fazer a conta.

Mas aqueles inconformados só sabem fazer conta para ganhar dinheiro – à custa do mercado interno formado pelos estados do Norte e do Nordeste, que não importam mercadorias do Primeiro Mundo, melhores e mais baratas, para comprar no Sul e Sudeste, mais caro e ruim, para garantir o crescimento da indústria nacional. O Norte e Nordeste, além de oferecerem mão-de-obra barata, ainda preservam a reserva de mercado para o capitalismo sulista. Porque somos brasileiros.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


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