dom
06
jun
2021

Dodô Fotógrafo

Havia a Rua do Cancão e, por detrás dela, uma ruazinha  apelidada de “Escorregou, tá dentro”. Estreita, de casas pequenas e ligadas umas as outras, via como paisagem os fundos das boas casas do bairro. Nem carro passava, de tão estreita.

Nela eu ia com frequência, atraído pelos gibis de Tarzan colecionados pelo jovem Dodô, igual a mim um leitor voraz das aventuras do homem das selvas.

Os passos do menino já andavam em ritmo decorado, saíam da casa da frente e, furando o paredão do muro, corriam ao endereço do amigo para reviver, com ele, as aventuras do homem que matava gente e bicho, que usando uma faca e os músculos derrotava crocodilos, onças e outros seres africanos.

A gente cresce e as convivências nem sempre perduram.

Dodô se manteve fiel às origens. Virou fotógrafo sem sair das paisagens da nossa infância, criou asas pra voar sem nunca aceitar mudar de céu. Eu corri em busca de outros cartões postais, fui ver o mundo que Dodô não conheceu, me fiz asfalto, trocando pela pista negra as pedras irregulares da minha infância.

Coisas da vida. Coisas do tempo.

Somente hoje, tanto tempo depois, tive notícias de Dodô. Ele foi anunciado como morto pela Covid. Lutou bravamente e perdeu. E eu recebi a notícia com o pesar de quem perdeu mais um pedaço do seu viver.

E como perdi pedaços!

Não sei se Dodô preservou sua coleção de gibis de Tarzan. Gostaria de saber. E de “herdar”, comprando, é claro. Seria uma forma de acreditar no passado, de preservar a certeza de que tudo passa, mas nem tudo.

Blog do Tião Lucena


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