Golpes de ontem e de hoje

“A poluição dos rios brasileiros vem de longe, ouviram do Ipiranga”

Otávio Sitônio Pinto*

O golpe da Independência foi um arranjo de pai para filho. Dom Pedro vinha montado na sua burra viageira, voltando da casa da Marquesa de Santos, em São Paulo, quando recebeu a missiva de seu presumido pai – o operoso Dom João VI. A Revolta do Porto fizera o rei do Reino Unido voltar para Portugal, deixando a construção do Brasil por terminar. Mesmo assim, O Papa-Frangos fez mais de que qualquer outro governante brasileiro ou reinol. Ganhou a patente de Imperador de Honra do Brasil, ao mesmo tempo em que era Rei de Portugal – mais ou menos como Frederico II de Hohenstaufen, Imperador das Duas Cecílias, o rei em cujo reinado nasceu o soneto no ano real de 1220.

Cadê a carta em que Dom João mandou Dom Pedro proclamar a independência do Brasil? Dizem que o Príncipe Regente desceu da burra com um mal estar intestinal, aliviou-se à beira do Ipiranga e usou a carta como papel higiênico. A verdade é que ela não está em nenhum museu. Como o filme da chegada do gringo à Lua: ninguém tem uma cópia da película, nem o Repórter Esso. Um ano desses, Tio Sam disse que estava remasterizando a película, que ia mostrá-la em setembro, ou outubro – e até hoje. Armstrong foi o primeiro, mas não há prova disso. Ele plagiou Dom Pedro.

A poluição dos rios brasileiros vem de longe, ouviram do Ipiranga.

A independência do dito Brasil foi um golpe difícil de entender. O pai mandou o filho rebelar-se, mandou o príncipe dar um golpe nele rei. E o rei de Portugal continuou rei do Brasil. Marmelada. Na verdade, o golpe foi nos cortesãos e na burguesia do Porto, que forçaram o Rei a voltar para Portugal. Foi um golpe do Brasil em Portugal. Mas não foi o primeiro: antes, houve a intentona mineira, em que um suboficial mais ou menos intelectual, um alferes, tentou plantar a independência. Mas pagou sua audácia com a vida. Teve sorte de não ir para a fogueira, como os Távoras, em Lisboa. Tiradentes poderia ter tido o privilégio de ser fuzilado, pois era militar; mas morreu na forca vil.

Depois do Golpe da Independência, o Golpe da República: um golpe onde o polo ativo e o passivo eram compadres. O Marechal Deodoro derribou o Imperador, seu compadre e amigo, também com um brado em cima de uma alimária, como no Ipiranga. E a corrupção se instaurou no Brasil.

Foi inútil o sacrifício de Canudos, a guerra do Brasil contra o Sertão, um duro golpe. O Brasil esmagou a Farroupilha como em Canudos. Corrijo: em Canudos foi pior.

Quer dizer: o Brasil sofreu os golpes da Independência, da República, da Intentona Mineira, da Farroupilha, de Canudos, de Trinta – “um movimento militar com simpatias civis”, no dizer do historiador José Honório Rodrigues. Mas antes do Golpe de Trinta houve a intentona de 22, no Forte de Copacabana. Depois, a Intentona Andante da Coluna Prestes, de 26, que inspirou a Grande Marcha de Mao Tsé-Tung. Ah! E a Intentona de 35, uma quartelada comunista, também comandada por Prestes.

Assim, Trinta foi o nono golpe. E veio o Golpe de 37, o décimo golpe, um golpe dentro do golpe, atrelando o Brasil ao modelo alemão, italiano, português e espanhol. Haja ditaduras. O décimo-primeiro, o Golpe de 45, derribou Getúlio, o caudilho dos golpes de Trinta e 37. E viu que era bom. O Golpe de 54 matou Getúlio. Nesse décimo-segundo golpe, viu tudo muito bom. O décimo-terceiro e o décimo-quarto foram as intentonas de Jacareacanga e Aragarças, para empalar Juscelino.

O sepultamento do general Canrobert virou uma intentona que o Marechal Lott resolveu. E veio a intentona solitária de Jânio Quadros, um golpe às avessas, com o rei abdicando para ganhar mais poderes. Foi o décimo-sexto golpe. E viu que tudo era muito engraçado.

O décimo-sétimo foi o Golpe do Parlamentarismo, contra João Goulart. O décimo-oitavo foi também contra Jango: o fascista, nazista, entreguista Golpe de 64. Ato contínuo, o Golpe de 68, décimo-nono, um recrudescimento do golpe, como em 37. E veio o vigésimo golpe, o golpe definitivo, na forma do Estatuto do Desarmamento. Um golpe absoluto que desarmou o povo, impedindo, no seu nascedouro, qualquer reação contra os golpes que venham de dentro ou de fora da História.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.

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