“Os homens sábios usam as palavras para os seus próprios cálculos, e raciocinam com elas, mas elas são o dinheiro dos tolos”.

Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo inglês, autor de Leviatã

ter
07
out
2014

“No returno da eleição, os candidatos nanicos terão o valor do fiel da balança”

Sitônio PintoOtávio Sitônio

A Praça 1817 é composta de três logradouros espremidos em um só quarteirão. Começa na esquina da Assembleia Legislativa e vai dar no Ponto de Rem Réis, esquina do antigo Paraíba Palace Hotel, que virou centro comercial, shopping para os colonos de USA. A Rua Rodrigues de Aquino é a rua de baixo, a Rua Visconde de Pelotas é a de cima. No meio, o beco descendo para a Rua 13 de Maio; beco José Lucas de Carvalho, de um só quarteirão. Não sei em qual guerra José Lucas foi herói, mas mereceu um beco.

O grande poeta Jorge de Lima tem um romance intitulado “Guerra dentro do beco”. Está ali para eu ler, fã que sou de tudo que o velho Jorge escreveu. Batizei uma filha com o título de um de seus livros: “Anunciação e encontro de Mira-Céli”. O nome ficou menor, apenas Mira-Céli. Aos catorze anos Mira recebeu a faixa preta de karatê, para se defender deste mundo mau de maridos e marginais. As mulheres devem estar preparadas para sua defesa; o karatê é uma boa escola. Mira já é mestra (sansui).

Na Praça ficava o Bar Guadajara, na esquina da 1817 com o beco do Lucas. De um lado do beco, o Banespa; do outro, o bar, onde mais antigamente funcionou a Viação Gaivota com seus ônibus para Recife. Depois que o bar fechou, abriram uma sapataria; não sei o que é que hoje tem por lá. O Bar Guadalajara tinha esse nome em homenagem à cidade de Guadalajara, onde o Brasil ganhou a Copa do México. Foram duas copas num só lugar, por conta do terremoto mexicano; mas o Brasil só ganhou uma.

Na frente do Guadalajara ficava uma lanchonete, a “Noite de Natal”. Dava para a parte de cima da praça, a Rua Visconde de Pelotas. Em baixo, um mictório público. Ao lado da lanchonete, um posto de gasolina olhando para o beco. Uma tarde, quando o caminhão-pipa estava abastecendo o posto, a frente do carro para cima da ladeira para a gasolina escorrer toda, começou um incêndio. O chofer, muito macho, fechou a torneira do caminhão pegando fogo e subiu a contramão na ladeira da 1817. Dobrou a Dom Pedro II e desceu a ladeira da Rua Rodrigues de Carvalho para a Lagoa, onde entrou de ré.

Geraldo estava no mictório. Mecânico, Geraldo era também trompetista da Sinfônica. Ouviu o grito: “o posto tá pegando fogo, vai explodir”! Disse ele: “torei no meio, peguei as calças e corri nu; fui vestir-me no beco”. Eu deixei meu carro DKW na casa do futuro psiquiatra Marcos Wanderley, no oitão do Colégio Pio X, e fomos a pé ver o incêndio. Via-se a fumaça de longe.

Na fachada do bar havia um letreiro com o cardápio da casa. Em destaque: “aos sábados, aquele caldo à Júlio Rique”. Tratava-se de um desembargador mais ou menos folclórico que havia na Paraíba. Um desembargador que virou caldo, depois de ter sido presidente do Tribunal. Na minha lembrança associo esse letreiro com outro que vi em Brasília, num botequim onde eu às vezes pegava o repasto. Entre as iguarias da casa, via-se a “Sopa à Lavoisier”. Foi esse o detalhe que me atraiu ao botequim.

Perguntei ao dono do bar que sopa era aquela: “é a sopa feita com o resto do almoço”. Pois “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, como ensinou o sábio que a revolução francesa guilhotinou. “A revolução não precisa de sábios”, disseram os revolucionários. E a cabeça genial rolou. Isso porque Lavoisier fora um cobrador de impostos, um dizimeiro, um publicano.

Lembro-me dessas coisas quando penso no resultado das eleições de domingo. Vitoriosos e derrotados vão para o segundo turno. Entendo que os derrotados irão mais que os vitoriosos, pois os derrotados decidirão o resultado no returno. Serão as migalhas dos votos dos que não lograram o segundo lugar que irão fazer a vitória do futuro primeiro colocado. Como a sopa à Lavoisier dos tempos de crise, os derrotados salvarão a lavoura. A sopa não era boa, tinha um gosto irreconhecível, mas quebrava o galho.

Assim será a sopa do segundo turno. Mistura democrática dos salvados que ainda estão vivos, bem vivos, neste prenúncio do returno. A sopa à Lavoisier era a mistura de carne de boi, galinha e costelas de porco, com verduras e legumes, macarrão, arroz e feijão etc etc. E um pão na dura sorte, sem manteiga. No returno da eleição, os candidatos nanicos terão o valor do fiel da balança. Antes olhados de banda, agora serão chamados à mesa da negociação e da sopa à moda da casa.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


  Compartilhe por aí: Comente