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08
maio
2014

“Os fuzilados, os enforcados, os eletrocutados não reincidem” – dizia o mestre

Otávio Sitônio Pinto*

O linchamento de Guarujá trás no seu bojo um grave sintoma: o povo está cansado de esperar por justiça. E tentou fazer justiça com suas mãos, precipitadamente. O resultado foi o assassinato de uma inocente, a pau e ponta pés. O mesmo povo que vem amarrando ladrões a postes espancou mãe de família até a morte, confundindo Fabiane Maria de Jesus, idade de Cristo, com uma execrável que tentou roubar uma criança, presumivelmente para ser sacrificada em rituais satânicos. A dona de casa pagou com a vida o crime de outra – a mulher que tentou arrebatar um bebê das mãos da mãe, e que permanece sem identificação até hoje. Tudo que dela se tem é um retrato falado, precária pista que levou os justiceiros populares à execução de uma inocente dona de casa.

Se prenderem a culpada, e se ela for condenada, provavelmente cumprirá uma fração da pena e depois voltará ao convívio social, onde poderá repetir seus crimes. Tem oitenta por cento de probabilidade de voltar a delinquir, pois esse é o percentual de reincidência entre os apenados no Brasil. Índice que não é muito diferente dos outros países: nos Estados Unidos, por exemplo, o índice de reincidência vai a 68 %. Entre os executados, esse índice cai a zero. Mais precisamente, raiz quadrada de zero. Ou raiz cúbica.

Tive um professor de Direito Penal que se dizia contrário à pena de morte. Em vez disso, ele era favorável à Medida Preventiva de Reincidência (MPR). “Os fuzilados, os enforcados, os eletrocutados não reincidem” – dizia o mestre. “Nunca ninguém desceu da forca para reincidir”, argumentava o velho professor. Lembrei que já houve o caso de um enforcado que sobreviveu à execução, e que não foi enforcado outra vez, pois sua pena já havia sido aplicada. O condenado desceu vivo da forca, mas não há registro se voltou a delinquir.

A Medida Preventiva de Reincidência, proposta pelo criminalista em suas aulas sapienciais de Direito, não tem finalidade punitiva nem de ressocialização. Seu objetivo é de evitar que o criminoso volte a praticar um ato antissocial em prejuízo dos cidadãos ordeiros. Ou mesmo desordeiros, pois o criminoso condenado à reclusão pode atentar contra a vida de um companheiro de cela, ou teleguiar um crime pelo telefone celular – equipamento muito em voga nas prisões, com o qual se aplicam golpes na praça ou se decretam mortes.

No direito brasileiro, as leis visam mais poupar o delinquente que proteger o cidadão. Ao criminoso é assegurado tudo: casa, comida e roupa lavada, mais uma pensão-presídio, médico e remédio, dentista e psicólogo nas horas vagas, e aulas de ciências humanas e exatas. Um apenado sai muito mais caro para o contribuinte de que um estudante da rede pública de ensino. Acrescente-se a essas despesas os custos da carceragem e da vigilância para vaquejar os internos. Despesas que poderiam ser suprimidas com a MPR, com a garantia de que a sociedade não voltaria a ser agredida.

O procedimento popular em Guarujá não é da tradição brasileira. Raros são os crimes de linchamento no Brasil. E poderiam ser menos se a polícia fosse mais presente, ou se o chamado pelo 190 fosse atendido de imediato. O raciocínio popular – pois o povo é dotado de raciocínio – na tragédia de Guarujá é de que não adianta prender, que a justiça solta. Não é a justiça que solta, mas a lei permissiva que o legislador complacente elaborou. O legislador eleito com o voto do povo, mas que, na hora de legislar, se posiciona contra o povo, criando leis que só beneficiam o antissocial.

Onde fica Guarujá? Dizem que no litoral de São Paulo, na microrregião de Santos. Mas, no clima da insegurança brasileira, Guarujá fica no teu bairro, na tua rua, onde moram teu medo e tua ira. Cuidado para não seres vítima, nem fazeres vítimas.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


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