ter
08
jul
2014

“O juiz foi dar cartão logo ao capitão, beque de espera dos bons”

Sitônio PintoOtávio Sitônio Pinto*

Brasil já pode perder um Mundial, pois tem outros títulos. Reduziu a miséria, tem classe média, tem menos analfabetos, tem mercado interno, tem pré-sal. Tem doze estádios novos, quem quer comprar? Ninguém compra não-mercadorias. Eu disse menos analfabetos. Como foi que Brasil reduziu o analfabetismo? Elegendo um presidente que não era doutor, que os ricos chamavam de analfabeto.

O vice também era um homem de poucas letras. Os dois juntos, Tomé e Bebé, ensinaram o Brasil a ler e comer. O presidente não acreditou, nem o IBGE dizendo, que Brasil tinha mais obesos que magros. Estou no rol dos magros. O IBGE pode conferir: um magro de 75 k, do tamanho de Hulk, mas magro. Vegetariano: não como carne há mais de trinta anos. Entrementes Hulk, filho de marchante, comia muita carne.

Brasil já pode perder uma Copa sem fazer o hara-kiri francês. Brasil já come três vezes ao dia, como queria Lula. Hoje à tarde, Brasil vai jogar contra as Alemanhas, Oriental e Ocidental, as duas juntas. Se Brasil perder, tem uma desculpa: jogou sem Neymar. Se ganhar, tem um motivo de glória: ganhou sem Neymar. Crack é assim, até fora de campo ajuda à Seleção. Por que será que chamam os atletas de cracks? Será por causa da grama?

Tive um professor de Português que não gostava do anglicismo “crack”. É cavalo de corrida – dizia o mestre. Mas no Brasil é jogador de futebol – perorava o licenciado. Fulano é crack corresponde a Fulano é um cavalo – ensinava o irmão marista. Qual foi deles? Não me lembro. Nunca me dei bem com professores. Eles me expulsaram de dois colégios e de uma faculdade. Escaparam fedendo.

Eu não como carne, nem peixe, nem siri, nem aves, nem caça. Será que é por isso que nunca fui crack? Jogava na defesa como beque de espera, o último jogador antes do goleiro, plantado, protegendo o arqueiro. Jogava mais com os ombros, dando escorão em quem chegasse perto da meta, digo, da barra. Às vezes, chutava as canelas dos artilheiros. Deve ser por isso que meu nome naquelas guerras era Catrepilha.

Beque de espera não faz golos, só se for golo contra – pois joga muito longe da barra adversária. É uma posição de sacrifício, como a de goleiro. Esse também não faz golos. Às vezes, engole frangos. Outras vezes, salva a pátria, pegando ou espalmando tubaços. Lembra-se dos tubes? E dos bicudos? Às vezes eu chutava de banda, feito David Luiz cobrando faltas, como no jogo com a Colômbia. Mas não me convocaram para volante da Seleção, como sonhei.

Quem Filipão vai botar no lugar de Thiago Silva? O juiz foi dar cartão logo ao capitão. Um dos maiores zagueiros do mundo, beque de espera dos bons. O quarto jogador no ranking da Fifa, onde Brasil tem três entre os dez primeiros – Thiago, David e Neymar. Se Brasil perder, foi porque jogou sem o zagueiro-capitão. Na vida real, Thiago faz dupla com David Luiz. Ficaram separados no jogo com as Alemanhas. Uma desgraça nunca vem só: Brasil perdeu Neymar e Thiago.

Mas Brasil já pode perder. Aprendeu a protestar nas ruas do governo. E se uma arena ruir como aquele viaduto de Belo Horizonte? Se cair cheio de turistas? A arena romana, onde morriam os cristãos, está de pé. Milagre dos mártires. Nos estádios brasileiros morreram oito cristãos antes da inauguração. Mais dois no viaduto de Belo Horizonte. Somente, pois as arenas brasileiras não têm leões. Deviam ter pelo menos onças. Arenas tão caras, mas sem onças.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


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Uma resposta para “Onças da Fifa”

  1. Que se fodam os puristas, mas esse princesense aí é foda, com ph de farmácia. Nem João Saldanha nem Rubem Braga escrevem assim. Está a cara do velho Marcolino Pereira, de quem o escriba é bisneto. Aliás, de toda a prole do velho coronel, que era enorme, Otávio é o bisneto mais parecido. Nas vezes em que vou a cidade da Parahyba e vejo Sitônio, tenho a impressão de que o pai do coronel Zé Pereira acabou de sair de dentro de um dageurreótipo e veio até a porta me receber.

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