sáb
02
ago
2014

Os mortos não votam, mas têm eleitores nas pessoas dos seus descendentes e parentes”

Sitônio PintoOtávio Sitônio Pinto*

Oportuna essa ideia de se fazer um anexo do Cemitério da Boa Sentença nos terrenos antes ocupados pelo antigo Instituto de Medicina Legal, a Faculdade de Medicina e, mais atrás, pela fábrica de óleo da Matarazo. Lembro-me do IML quando funcionava na esquina do Cemitério. Foi lá que tirei minha primeira cédula de identidade. Depois, o prédio foi abandonado e se transformou nas ruínas de hoje. Os prédios morrem, os cemitérios também morrem.

Os terrenos do velho IML mais o terreno da Matarazo constituem uma grande área, próxima ao centro da cidade, vizinha do Boa Sentença. É só atravessar a rua – que hoje leva o nome de um general dos tempos da ditadura de 64/84. O espaço da Matarazo está ocupado por uma sucata enquanto não se decide sua destinação, pois a propriedade está sub judice no foro federal por conta de dívidas tributárias.

Não existe outra área para a expansão do Boa Sentença. Todos os terrenos em volta estão tomados. O latifúndio abandonado do IML/Matarazo cai como uma luva para a ampliação do cemitério. Não fossem os cemitérios particulares implantados nos últimos anos, acrescidos da novel alternativa de cremação, a cidade não teria como sepultar os seus mortos – que viriam a formar o incômodo contingente dos sem-túmulos.

O Boa Sentença já alberga 12 mil túmulos, e cada um desses serve de pouso a vários mortos. Difícil é calcular o número de mortos sepultados no Boa Sentença, mas é uma estatística que se deve fazer com o auxílio valioso da informática. Não só o número, mas a identidade dos mortos que chegaram ao Boa Sentença – e aos outros cemitérios, públicos ou privados – devem ser objetos de registro. Eles são peças da História.

Há túmulos ilustres, de famílias tradicionais, e túmulos fantasmas, rotativos, de pobres que são enterrados provisoriamente e desterrados dois anos após o seu sepultamento, para dar lugar a novos ocupantes. E outros que são esquecidos. O túmulo do radialista Luís Otávio, por exemplo, está sem identificação. É uma cova rasa que só os coveiros conhecem. A maior audiência do estado, que Luís Otávio detinha, perdeu-se no silêncio final.

Inaugurado em 1855, com a construção de sua capela, o Cemitério da Boa Sentença deixou de atender as necessidades da população que não tem mais onde sepultar os seus mortos. A iniciativa da Prefeitura, em implantar o Anexo do Boa Sentença, é providência das mais louváveis. E o projeto apresenta-se fácil de ser realizado, pois as áreas em pauta são propriedade do poder público, como o terreno do IML, ou está para ser, como o espaço sub judice da Matarazo.

O nascedouro da ideia foi o próprio povo, que não tem recursos para adquirir campas caras nos distantes cemitérios particulares implantados na periferia da cidade. Além de público, o Boa Sentença é central – o que facilita as exéquias e as visitas aos túmulos dos entes queridos. Os mortos não votam, mas têm eleitores nas pessoas dos seus descendentes e parentes. E bem que podem influir nos resultados das eleições.

Aliás, há mortos que votam, pois há vivos, muito vivos, que se “esquecem” de dar baixa aos títulos eleitorais dos falecidos que, assim, continuam a exercer o dever cívico de votar. Dizia o jurista Virgínius da Gama e Melo que era uma discriminação proibir os mortos de votar. No sábio parecer de Virgínius, os mortos são eleitores muito independentes, pois de pouco precisam, só de indulgências e rezas. E de um jazigo perpétuo, lembrou-se Virgínius.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


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