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05
ago
2014

“Ao entrevistado não é dado tempo para pensar e ele termina respondendo besteiras à pergunta cretina do repórter”

Sitônio PintoOtávio Sitônio Pinto*

O bolero tocava em todos os cabarés, em todas as difusoras, em todas as festas de bairro, principalmente na interpretação de Ângela Maria: “nunca jamais pensei em querer-te tanto / nunca jamais pensei em querer-te assim / nunca jamais pensei derramar meu pranto …” A versão era de Nelson Ferreira, do original de Lalo Guerrero, o popular compositor mexicano-americano. Haja tequila, haja cuba libre – a mistura de rum e coca-cola que inundou as noites daquele tempo. Depois “Nunca jamais” foi gravado por Nana Caymmi, Zezé Gonzaga e outras cantoras de sucesso.

Lembrei-me do bolerão quando li, numa reportagem apressada, que eu dissera que “jamais o homem pisou na Lua”. Aqui a letra do bolero se encaixa como o amante na sua amada: “mente-me, beija-me, / mata-me se queres / porém não me deixes, não, / não me deixes, / nunca jamais…” Pois eu nunca, jamais disse isso, Douto Leitor. Na minha crônica de sexta-feira, 1º de agosto de 2014, “A face oculta”, eu me referi só ao voo da Apollo 11 e sua propalada descida na Lua, fato que teria acontecido em 20 de julho de 1969. Não me referi a outros eventos anteriores ou posteriores.

Mas a reportagem apressadamente colocou na minha boca que eu dissera que “jamais o homem pisou na Lua”. Aí entra a letra do bolero: “mente-me […] mata-me se queres […]”. A reportagem mentiu. E tentou reforçar sua mentira com uma enquete feita na rua, catando opiniões onde o achismo de populares corroborava o que a reportagem queria dizer, isto é, que o homem chegara mesmo à Lua e que eu estava redondamente enganado quando disse que “jamais o homem pisou na Lua”. Eu disse que se os ianques tivessem chegado à Lua naquela viagem, haveria um filme documentando o evento – como dizem os gringos que há, mas não mostram a ninguém.

Eu nunca disse aquilo, Douto Leitor, nunca jamais. Nem na minha cronicartigo, nem nos cabarés onde o bolero tocava. Como a reportagem ouviu, ou leu essa invenção? O procedimento é típico de jornalismo de faculdade, onde as pessoas pensam que aprendem a escrever. Para escrever é preciso, primeiro, aprender a ler. Saudades dos tempos do jornalismo autodidata. Do jornalismo de Chateaubriand, de David Nasser, de Joel Silveira e do repórter maior Euclides da Cunha. Eles fizeram o melhor texto do jornalismo brasileiro sem nunca, jamais botar os pés numa faculdade de jornalismo.

Ou será possível alguém ensinar a outrem a escrever uma reportagem como “Os Sertões”? Ou como “Falta alguém em Nuremberg”? Ambas ganharam forma de livro, mas a última está esgotada. “Falta alguém em Nuremberg” relata os crimes de guerra de Getúlio Vargas e do seu carrasco Filinto Müller – o chefão do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) da ditadura de 1930/1945.

Você já deve ter visto na televisão a reportagem abordar os passantes na rua e agredi-los com um microfone, enquanto perguntam qual sua opinião sobre isso e aquilo. A pergunta foi pautada e pensada adrede, mas a resposta deve sair na hora, mais depressa que tapioca. Não deixam nem o jogador de futebol recuperar o fôlego ao fim do jogo: “o que é que você acha da chegada do homem à Lua?” E o crack responde, ofegante, dizendo que os lunáticos vão jogar em casa e podem levar vantagem, como levava Gerson.

Jamais gostei de entrevistas. Ao entrevistado não é dado tempo para pensar e ele termina respondendo besteiras à pergunta cretina do repórter, mais ainda se for abordado no meio da lua (sic) para dizer o que acha da chegada do homem à rua (sic). Pois foi o que a reportagem fez. Perguntou ao passante o que ele achava do voo da Apollo 11, como quem pergunta o palpite sobre o jogo de fútilbola, e ainda disse que eu disse que jamais o homem pisou na rua, ou na lua. Eu nunca disse isso, nem nos velhos cabarés dos bons tempos; nunca, jamais.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


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