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21
ago
2014

“Lentamente o bairro está se derretendo como as neves do Kilimanjaro. Nada é eterno, nem os bairros, nem as neves”

Sitônio PintoOtávio Sitônio Pinto*

Depois que subi a íngreme Ladeira da Borborema, o soldado de trânsito fez sinal para eu parar e me disse que não podia passar. Era a missa do ex-candidato à presidência Eduardo Campos, rezada na Basílica de Nossa Senhora das Neves, antiga Catedral. O Brasil é assim mesmo: às vezes neva em duas ou três localidades do Sul, na Paraíba nunca, mas o apelido da santa é Das Neves. É a padroeira da terceira cidade mais antiga do País, a primitiva Filipeia de Nossa Senhora das Neves, a Iemanjá dos negros.

Os nomes dos santos negros não foram traduzidos, Quixibim é Quixibim, Oxalá é Oxalá. E em Aruanda não neva, nem por cem, embora existam neves eternas no Kilimanjaro, a grande montanha africana. Mais ou menos eternas, pois o aquecimento global está derretendo todas as geleiras do planeta: dos polos, dos Andes, do Fujiyama, do Kilimanjaro. Não vão escapar nem a Serra da Borborema, nem o Pico do Jabre, nem o do Pau Ferrado. Todos pagarão seu tributo ao aquecimento global que derreterá até as geleiras submarinas.

Foi assim que a Atlântida afundou: foram-se derretendo as geleiras do mundo, o nível do mar subiu, em pós veio o abalo sísmico que rebaixou a ilha, seguido do maremoto (melhor que tsunami, não?), e a Atlântida sumiu. Dizem que um padre basco se comunicou com indígenas de Yucatan no princípio da colonização europeia na América, falando basco; mas esses indígenas foram exterminados pelos espanhóis. Não escapou nenhum que falasse basco ou língua parecida. Sabe-se que o basco não é indo-europeu, nem se sabe de onde veio. Terá sido da Atlântida? Ou foram os Atlantes que colonizaram o País Basco? Na Espanha tudo é possível.

Comentando minha crônica “O fogareiro”, o polígrafo Solha disse que os céus de Sorocaba eram varridos por holofotes, na segunda guerra dos mundos, em busca de bombardeiros alemães. Como esses sulistas são desenvolvidos. Em Sorocaba se usavam holofotes, aqui na Paraíba apagávamos candeeiros e fogareiros. Onde o povo de Sorocaba foi buscar aquele “erre” gultural, mais “arre” que “erre”? Terá sido com os alemães? Ou com os atlantes? Tem todo o direito de falar como quiser, como os bascos ou como os brasis – aqueles índios que habitavam Pindorama antes dos cristãos chegarem com suas cruzes e seus canhões.

Mas eu ia dizendo que subi a Ladeira da Borborema, íngreme que só ela, e o soldado do trânsito mandou-me descer de volta, pois estavam rezando a missa do ex-presidenciável Eduardo Campos. – Permita-me uma sugestão – disse ao militar. – Coloquem um guarda no pé da ladeira, desviando o trânsito, para evitar que os paisanos subam a serra para depois descer. – É mesmo – disse o guarda. Não sei se fizeram; desci a Ladeira das Neves, arrodeei a colina e fui para o “Tambiá da minha infância”, minha e de Coriolano de Medeiros.

Taí um escritor melhor do que Machado; um descritor, o que Machado não é. O pomar de machado não tem pomos, seu jardim não tem flores. As ruas de machado não têm casas, as casas não têm fachadas nem lá dentro. Dizem que as pessoas de Machado têm alma; não acredito em almas. O velho bairro de Tambiá de Coriolano tem muito mais almas, muito mais infância. Lentamente o bairro está se derretendo como as neves do Kilimanjaro. Nada é eterno, nem os bairros, nem as neves.

A comoção que abalou o País com a morte de Eduardo Campos foi formidável. Ele era o terceiro nas pesquisas, sua vice Marina passou para o segundo. E no segundo turno, se for hoje, ela ganha. A realidade pode mudar quando Lula subir no palanque. A morte de João Pessoa teve comoção ainda maior, pois foi morte matada, e ele era candidato a vice-presidente. Os Dantas ainda hoje não perdoam João Dantas por ter matado Pessoa. Ele e Getúlio estavam mortos, mas o gesto de João Dantas foi sua ressurreição. Mais uma vez, Das Neves mudou de nome. Daquela vez, mudou de gênero: passou a se chamar João –para uns Pessoa, Dantas para alguns. Até que as neves da História se derretam outra vez.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


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