sáb
30
ago
2014

“Sempre achei que Siqueira apreendeu um quanto de brasilidade ouvindo o concerto do Velho do Pife”

Sitônio PintoOtávio Sitônio Pinto*

O maestro Zé Siqueira chegou em Princesa ainda adolescente. Vinha de Triunfo, Pernambuco, com uma carta de apresentação da minha Tia Licinha para minha avó Joaninha. Tia Licinha era tia dele e minha tia afim, pois era casada com meu Tio Antônio, irmão da minha avó. A carta pedia para minha avó colocar Zé Siqueira na orquestra de Princesa – uma big band de 24 peças, importadas de Paris pelo meu tio e coronel Zepereira, irmão da minha avó e de Tio Antônio.

Siqueira ficou morando na casa da minha avó e trabalhando no empório do meu avô João, como caixeiro. Foi engajado na Charanga Pereira Lima, onde tocou trompete. Charanga é “uma banda de música composta principalmente de instrumentos de sopro”, diz o Michaelis. A filarmônica de Princesa tinha essa formação. Quem batizou, não sei. Pode ter sido Tio Zé, homem letrado, dono de jornais, ex seminarista e ex acadêmico de Direito, aficionado por música, aí pelos anos vintes.

Os diferenciais históricos de Princesa devem ser a filarmônica e a resposta ao Manifesto Modernista, obra do Grêmio Literário Pereira Lima. Princesa foi a única cidade da Paraíba a responder ao manifesto. Nem a Capital se pronunciou. O grêmio tinha teatro, a cidade tinha cinema e o primeiro grupo escolar do interior – pedido pela infanta minha mãe ao presidente Solon de Lucena no seu discurso de saudação ao gestor, quando ele instalou o governo na cidade sertaneja.

Dia de sábado, quero dizer, dia de feira, o Velho do Pife fazia ponto na esquina da loja de meu avô para solar sua avena, um quepe de soldado virado na calçada para receber espórtulas. Sempre achei que Siqueira apreendeu um quanto de brasilidade ouvindo o concerto do Velho do Pife, soprado a poucos metros do balcão onde atendia a freguesia. O velho Antônio Mendes tocava e dançava, acompanhado de sua mulher, Sá Joaquina.

Deve ter sido aí que surgiram os fundamentos da diferença com Vila Lobos. Siqueira era ainda mais nacionalista que o autor das Bachianas. Fundou a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), no Rio de Janeiro, para tocar música brasileira como ele achava que devia ser. E a Orquestra Sinfônica de Niterói. E outras menores. E a Ordem dos Músicos do Brasil.

Depois o sobrinho de tia Licinha ganhou mundo, foi reger as orquestras da Europa e dos Estados Unidos. Comunista, atraiu a perseguição do ditador Getúlio Vargas. Foi morar e tocar na União Soviética. Tocou, digo, regeu as maiores sinfônicas das Rússias como se fosse a charanga de Princesa. À sua esquerda, como spalla, o espectro do Velho do Pife.

Anteontem foi a inauguração da sala de concertos Maestro José Siqueira, no lugar onde funcionou o Cine Bangüê (com trema, bangüê é muito mais bangüê), no Espaço Cultural. Será que os projetores ainda estão no lugar, para uma exibição oportuna? Antes, a Orquestra Sinfônica da Paraíba já se apresentava no Bangüê, pois o cinema tinha melhor acústica.

Agora, a sala do cinema recebeu tratamento acústico e ganhou uma concha. A sala foi toda remodelada, e ganhou nome de muito prestígio, um dos maiores nomes da música erudita brasileira. Só falta o Velho do Pife. Ou não falta, pois onde Siqueira estiver tocando, o espectro do velho estará ao seu lado, como na calçada da loja de meu avô.

O jornal deu a Sinfônica com a minha idade. Sua semente é mais antiga, pois na primeira década do século passado uma sociedade musical apresentou-se no Cine Teatro Plaza, ali no Ponto de Cem Réis, frente poente. A dita sociedade musical foi comparada ao Clube Sinfônico do Recife. Portanto, o conjunto que tocou no Cine Plaza será mais velho que a Sinfônica.

Não sei em que o maestro Sivuca se baseou para me dizer que a Sinfônica da Paraíba disputava com a de Campinas, São Paulo, a condição de ser a mais antiga do Brasil. E a Charanga de Princesa? Quando foi fundada, não sei; mas vou procurar saber. Quando nada, teve sua importância como escola para Zé Siqueira.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


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