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02
set
2014

“O preconceito é um artifício do inconsciente para que o opressor se sinta justificado por sua atitude discriminatória

Sitônio PintoOtávio Sitônio Pinto*

Se Patrícia fosse patrícia não teria xingado o goleiro Aranha no jogo em Porto Alegre. A capital gaúcha tem uma grande tolerância racial. Lá, os negros são minoria – cerca de 2% (dois por cento) da população. A cidade tem uma, uma formação étnica variada, constituída de descendentes de portugueses, espanhóis, italianos, alemães, judeus, árabes, índios, africanos etc.

Mas Patrícia Moreira não tem o espírito da democracia racial gaúcha. O Rio Grande do Sul, em que pese sua grande maioria branca, já elegeu um governador negro – fato que poucos estados brasileiros têm no seu currículo político. Alceu de Deus Collares não só foi govenador do Rio Grande do Sul como também foi prefeito de Porto Alegre. E deputado federal por vários mandatos.

Agora os pagos do Negrinho do Pastoreio me surpreendem com a atitude racista de Patrícia Moreira, a torcedora do Grêmio Foot-ball Porto-Alegrense, que xingou o goleiro Aranha, do Santos, de macaco. Mário Lúcio Duarte Costa tem esse apelido de Aranha por conta do goleiro russo Yashin, o Aranha Negra. O treinador Custódio, do Ponte Preta, botou esse nome de guerra em Mário Lúcio por considerá-lo um grande goleiro, como o do Dínamo de Moscou, no seu tempo o melhor do mundo.

Será que Mário Lúcio é Duarte de Princesa minha terra, parente de Zé da Rádio e de Zé de Vó, e do tribuno Alcides Carneiro? E Costa dos meus filhos, pela outra banda? Meu menino Tiago é do seu tamanho: mede 1,90, que eu medi, e Mário Lúcio tem 1,91. Mário já tem nome de bicho, Aranha; não precisava a torcedora do Grêmio chamá-lo de macaco. Essa atitude demonstrou um preconceito triplo: contra os negros, contra os macacos e contra as aranhas.

Há ilhas do Pacífico em que se empregam macacos como tiradores de cocos. Eles sobem até o olho do coqueiro e tiram os cocos maduros, que distinguem bem dos verdes. Tiram até 800 cocos por dia, mais que um homem. E se treinarem macacos para goleiros? Fico pensando no que será do pessoal formado em informática como Alexandre meu filho, quando começarem a contratar macacos para operar computadores. Já fizeram essa experiência. Eles são habilíssimos, mais que os humanos.

O preconceito é um artifício do inconsciente para que o opressor se sinta justificado por sua atitude discriminatória. Para que ele escravize, é necessário que julgue o escravo um ser inferior. Que o escravizado não tenha alma nem razão. Por isso podem ser tão explorados. Os macacos trabalhadores ainda oferecem mais-valia a mais: não discutem salário nem obrigações trabalhistas.

Outros animais já são contemplados por praxes consuetudinárias do trabalho: os cães farejadores das polícias, são aposentados aos sete anos. E, lá em nós, costuma-se aposentar os equinos por volta dos vinte anos. Os animas de carroça de Belo Horizonte só trabalham um expediente. Mas ainda não se aposentam os bois, nem mesmo os bois de carro: estes são abatidos ao fim de uma vida operosa. Sei de um boi de carro que se ajoelhou, implorando para não ser abatido, mas não tiveram dó.

Voltando a Patrícia Moreira: o gaúcho Alceu Collares também é torcedor do Grêmio. Isso quer dizer que o comportamento de Patrícia não é próprio dos torcedores do Grêmio. Nem dos gaúchos. Ela já perdeu o emprego e teve de se mudar. Sua casa foi apedrejada. Isso lembra a passagem evangélica em que Jesus disse aos que queriam apedrejar a pecadora: “Quem nunca errou, atire a primeira pedra”.

Aí um popular jogou uma banda de tijolo bem no meio da testa da infeliz. Jesus repreendeu o justiceiro: “Manuel, eu disse: quem nunca errou”. Manuel retrucou: “Mestre, dessa distância eu nunca errei!” Eita, alguém pode achar essa parábola preconceituosa contra os manueis, e eu retiro o que disse.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


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