sáb
06
set
2014

“Conan Doyle narrou episódios dos bucaneiros, corsários, flibusteiros e piratas com medonho realismo”

Sitônio PintoOtávio Sitônio

Se você quiser dar um livro de presente a um adolescente, será difícil achar melhor escolha que os livros de Conan Doyle. Será que estou certo? Ou o gosto mudou? O adolescente gosta de ler, ou é maníaco da Internet? Mesmo que seja maníaco da Internet, isso não é excludente do gosto pela leitura. Pode-se conciliar as duas coisas. Experimente dar Conan Doyle a um adolescente, filho ou afilhado. E, se ainda não leu Holmes, dê ao adolescente que ainda mora dentro de você.

Eu ganhei Conan Doyle na condição de afilhado de Madrinha Celeide. E ganhei os dois, Conan Doyle e Arthur Conan Doyle. O primeiro inventou um personagem que o engoliu: ninguém menos que Sherlock Holmes, o detetive que explicava crimes impossíveis. Ainda hoje chega correspondência para o endereço de Holmes, 221B Baker Street, pedindo solução para casos insolúveis. Conheci um endereço com esse número: era a morada do crítico literário Virgínius da Gama e Melo, no Roger. Fecho os olhos, como Satchmo fechava quando estava tocando seu trompete, para ver Nova Orleans, e vejo a casa do Roger, por trás de Tambiá.

Virgínius era uma espécie de Holmes da literatura, pois deslindava a trama do texto, para ele elementar. Qual era mesmo o nome da rua? Sei onde fica, por trás da praça Antônio Pessoa, mas o nome se foi da memória. Fecho os olhos e vejo a casa onde fui entregar o original de “Zé Limeira, poeta do absurdo”, de Orlando Tejo, hoje em tantas edições. Mas o original original (sic) era maior, bem maior. Tejo condensou-o para conseguir publicação. Com o sucesso, o livro merece receber uma edição integral.

Arthur Conan Doyle era o mesmo autor de Sherlock Holmes, só que de histórias bem diferentes: os Contos de Piratas (Contos da Água Azul). Se o primeiro é bom, este é melhor. Contos ambientados não no fog obscuro de Londres, onde as tramas se tornam ainda mais misteriosas; mas ambientados no mar, nos navios de pau e pano que serviam à prática da pirataria intimidando os oceanos. Conan Doyle narrou episódios dos bucaneiros, corsários, flibusteiros e piratas com medonho realismo, desmitificando a lenda romântica em que foram envolvidos os bandidos do mar, como são hoje os bandidos da caatinga.

Ganhei dois livros de Doyle, piratas da terra e piratas do mar, quando era adolescente, e na condição de afilhado de Madrinha Celeide, minha madrinha de apresentação – aquela que sustém nos braços o menino enquanto o padre reza o rito do batismo: “Renuncias a Satanás?” E o padrinho responde: “Renuncio”. Jânio Quadros foi o padrinho do Brasil, pois renunciou ao Satanás quando era presidente da República, perto do dia sete de setembro de 1961, quando estávamos ensaiando a parada cívica.

Minha madrinha de batismo foi Madrinha Telinha, Auristela Pereira, prima de minha mãe, e meu padrinho o médico dos pobres Francisco Porto. A artista Celene Sitônio, irmã de Madrinha Celeide, assistia à cena da renúncia a Satanás e botou para chorar, pois queria ser madrinha também. “Tá certo, você vai ser madrinha de vela”. E deram-lhe a vela para ela segurar. Calou-se.

Segunda-feira, primeiro de setembro, minha Madrinha Celene chorou outra vez. Morreu-lhe a irmã, Madrinha Celeide, 82, de falência múltipla dos órgãos. A Missa de sétimo dia é amanhã, na igreja de Santo Antônio, defronte ao Hotel Tambaú, às 08,30 da madrugada. Hora inconveniente para os primos do Recife, que terão de viajar muito cedo.

Celene e sua vela é a única madrinha que me resta. Madrinha Neide, madrinha Telinha, Padrinho Porto, todos já se foram para a grande água azul de que fala Doyle. Inda bem que Celene está bem viva: seu irmão Zé Elias, o antropólogo que sabia a língua dos Cariris e as línguas dos invasores europeus, já se foi para a água azul; o mano Celso, capitão bonachão do Exército mais brasileiro, também pegou o navio de vento; e o fraterno Hélio, meu companheiro da marinhagem de rapaz, já navega a água azul.

Tudo tem seu tempo, diz o Eclesiastes. Eu navego a água azul desde os doze anos, por sortilégio de Madrinha Neide. Li os mares azuis de cima da gávea.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


  Compartilhe por aí: Comente

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *



Ir para a home do site
© TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. É PROIBIDA A REPRODUÇAO PARCIAL OU TOTAL DESTE SITE SEM PRÉVIA AUTORIZAÇAO.
Desenvolvido por HotFix.com.br