sáb
13
set
2014

“Foi um navio que se suicidou, metralhando as bombas de profundidade na popa, quando testava as novas metralhadoras de 20 mm”

Sitônio PintoOtávio Sitônio

Uma vez ele marcou um encontro comigo na Praça da Independência, onde costumava fazer caminhadas. Não sei mais qual era a pauta do encontro; sei que nos sentamos num banco a oeste da praça, na frente do colégio Pio X. Ainda posso localizar o banco. Muitas vezes atravessei o espaço da praça, indo e vindo para o colégio de onde fui expulso porque reagi a uma provocação do irmão diretor. Estirei o dedo para o irmão, e ele achou que isso era motivo de expulsão.

Por que não foi ele o expulso? O pau se quebra no lugar mais fraco, e naquele tempo eu era o mais fraco: um adolescente de 15 anos com fama de indisciplinado. Mas valeu a expulsão, pois fui parar no Liceu onde tive por mestres dois professores egressos do movimento poético Geração 59: Vanildo Brito e Geraldo Medeiros. O primeiro ensinava Filosofia, e o segundo Português. De quebra, o maestro Pedro Santos ensinava educação artística. Valeu a pena, ó eu aqui.

Quando estava chovendo, eu e Cláudio Caçapa atravessávamos a praça e vínhamos para casa a pé, chapinhando os pés nas poças de lama. Morávamos na mesma rua, a Expedicionários, homenagem aos brasileiros que foram para a Segunda Guerra Mundial. Uns não voltaram, mas a homenagem é para os dois grupos, os que ficaram em Pistoia e os que voltaram para casa. No caminho da missa morava um marinheiro solitário. Só os burros falavam com ele, a quem iam pedir pão doce.

Dizia-se que era neurótico de guerra. Será que o marinheiro era sobrevivente do Bahia, o cruzador que afundou depois que a guerra se acabou, no meio do Atlântico? Foi um navio que se suicidou, metralhando as bombas de profundidade na popa, quando testava as novas metralhadoras de 20 mm. Foram brincar de guerra, guerra não é brincadeira. Como se chamava o herói de macacão azul? O bairro era em sua homenagem, e seu nome não devia ter desaparecido.

Não me lembro mais o que Gonzaga queria. Parece que falar comigo sobre o planejamento de um de seus livros. Sei que sugeri a ele fazer um livro temático, focado em assuntos determinados. É o tipo de livro que rende muito, principalmente livro de crônicas e artigos. Gonga gostou da ideia, mas ainda não fez um livro assim. Agora, ele está organizando outro, com a ajuda de

Paulo seu filho. É um rapaz capaz, e o livro deve sair bom, claro que vai ser bom.

Esta semana o vigilante Gonzaga escreveu uma crônica sobre a Praça da Independência, que está para ser reformada pela Prefeitura. Não gosto de reformas, prefiro revoluções. Principalmente reformas em prédios velhos, em logradouros antigos. As paisagens urbanas da Europa são intocáveis; depois da guerra, aquelas casas velhas foram restauradas uma a uma, tijolo por tijolo, telha por telha. E as pessoas vão de longe ver os velhos prédios reerguidos, como se nunca tivessem sido bombardeados.

Agora o vigilante reclama contra o projeto de se reformar a praça. Não vi o projeto, apenas li a crônica. Diz que vão mexer no traçado da praça, que é uma projeção da bandeira da Inglaterra. E arrancar o obelisco. E o coreto? O vigilante não diz o que vão fazer com o coreto. Como já disse, não gosto de reformas. Mas concordo que se delete o traçado da bandeira da Inglaterra. A ilha foi o primeiro país a reconhecer a independência do Brasil, daí a homenagem. Por que deletar a bandeira inglesa?

O governo inglês fez uma sacanagem: capou, do empréstimo que o Brasil lhe tomou logo após a Independência, o valor dos investimentos que Portugal fez no Brasil. Portugal não fez mais que a obrigação de investir na colônia. A Inglaterra agiu como a Companhia das Índias Ocidentais, quando esta cobrou de Portugal despesas que os holandeses tiveram no Brasil.

A Prefeitura não deve homenagem à Inglaterra. Mas deve considerar a crônica de Gonzaga, no sentido de preservar o espírito da praça, plantada no começo ou nos confins de Tambiá.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


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