“A viagem de Fredericksstadt para Mauritsstadtd pode demorar horas, com o trânsito engarrafado por manifestantes”
Otávio Sitônio
Vosmecê conhece algum hepatologista disponível? O doutor só pode atender pacientes pelo plano de saúde no ano da graça de 2015, se o doente sobreviver. Se os sintomas persistirem, procure outro médico, ou o mesmo, marcando uma consulta particular. E se for ebola? A doença da moda tem de ser tratada de imediato, poucas horas já é tarde. O fulano tem de pegar um avião para a África, ser atendido num hospital de campanha para depois voltar naquele escafandro antivírus.
Eu perguntei a outro doutor, cuja agenda só tinha vaga para 15 dias, o que fazer em caso de urgência neurológica. Ela tem de ser atendida até três horas depois do episódio, caso contrário o acidente deixará sequelas. E a vítima ficará com a boca torta, uma banda morta, a fala trôpega, a memória falta etc. Sei de um caso em que o médico disse à mulher do paciente que o marido ia ficar com a banda morta. O doente ouviu, e de pronto puxou o saco para o lado são.
Como ia dizendo, perguntei ao doutor o que fazer em caso de urgência neurológica. Ele me orientou a ir para o Hospital Português do Recife imediatamente, para ser atendido antes das três horas fatais – pois aqui na Filipeia ainda não existe uma urgência neurológica, nem de dia nem de noite. A vítima deve torcer para que a BR-230 não esteja ocupada pelos sem-terras (é assim que o gramático Sacconi quer, com a palavra variável no plural; parece-me que Sacconi tem razão).
A viagem de Frederiksstadt para Mauritsstadt pode demorar horas, com o trânsito engarrafado por manifestantes. Antigamente as fábricas de produtos engarrafados usavam vasilhames de vidro; hoje, quase todos os embotilhados vêm com embalagens de plástico. E os manifestantes ficam sem ter como fazer molotovs, pois as garrafas de plástico não se quebram quando arremessadas contra o alvo. Parece até que é uma coisa combinada entre os fabricantes; a burguesia é organizada.
Se o AVC tiver acontecido à noite – emergências acontecem mais à noite – a estrada estará desimpedida, pois as manifestações têm lugar durante o dia, e o freguês do AVC terá trânsito livre. Ele deve desembarcar no Hospital Português e dizer com a boca torta: “estou tendo um AVC; preciso ser atendido agora”. Se ficar para mais tarde, nem botando o saco para o outro lado tem jeito; o AVC será irreversível.
Fredericksstadt já tem gente em quantidade suficiente para demandar uma urgência neurológica, e neurologistas bastantes para equipar uma clínica permanente. Não sei por que, ainda não fizeram. E os médicos cubanos não atendem em regime de urgência, pois o hospital não é dirigido por eles. O sujeito tem de pegar um avião para Cuba, se os manifestantes não tiverem interditado a pista do aeroporto Castro Pinto.
Há quem faça gozação com o nome do aeroporto. Mas Castro não é castrado, é uma antiga fortificação militar; e Pinto não é o filho da galinha, mas o particípio arcaico do verbo pintar. Já disse isso de outras vezes, vosmecê já deve ter decorado. Se o infeliz adoecer de dia, e o trânsito tiver interrompido, vai levar horas para desobstruir. O socorro vai depender da boa vontade dos guerrilheiros, hoje com seu poder ofensivo reduzido à falta de garrafas de vidro.
Antigamente se faziam molotovs com garrafas de coca-cola; eram as melhores, pela ergometria. Encaixavam perfeitamente na mão. Mas qualquer garrafa serve, desde que se quebre quando atingir o alvo, cheia de gasolina, diesel e pó-de-serra, chumaço aceso. Napalm dos pobres, o diesel retarda a queima, a serragem adere no alvo. O coquetel em homenagem ao general Molotov é perfeito, não fizeram melhor. Pode incendiar um tanque de guerra. Agite antes de usar.
*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.
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ANTES NÃO! MAS HOJE VEJO QUE ESTE SENHOR, NASCEU A MIL ANOS ATRÁS,PERFEITAMENTE ATUALIZADO.
PARABENS.