ter
16
dez
2014

“Você mesmo é capaz de saber, ou ter notícia, de alguma falcatrua praticada por um grupo em conluio com gestores públicos”

Sitônio PintoOtávio Sitônio

O governo podia estabelecer um sistema de delação premiada aberta ao público em geral. Iria ampliar e muito as chances de investigação sobre as maracutaias que se praticam neste País e dar oportunidade ao cidadão (ou às pessoas jurídicas) de ganharem uns trocados. A Santa Inquisição fazia isso. O fiel que denunciasse um pobre diabo à Igreja Católica ficava com um terço do confisco de seus bens. Os dois terços restantes eram rachados entre a Igreja e o Estado.

Quem sonegasse o pagamento de um dízimo gordo a Jesus podia ser denunciado, excomungado, preso, torturado, confiscado e queimado vivo na fogueira purificadora das almas, pelo crime de usura ou bruxaria. Agora não precisava tanto, bastava o confisco e a divisão desse apurado entre o cidadão e o Estado. Seria a vez do homem do povo tirar uma boa féria como se tivesse jogado na Loteria. As instituições também podiam participar desse bolão, pois seus quadros às vezes sabem de coisas.

As empresas também podiam denunciar irregularidades, como a formação de cartéis, useira na agenda dos governos. Uma empresa que tivesse sido prejudicada numa licitação resolvida entre amigos podia entregar o serviço, botando a boca no trombone para todo mundo ficar sabendo e os investigadores terem de tomar uma providência. O risco que havia era de o inquérito terminar em pizza. Esse é o tipo de coisa que não se pode garantir; vamos ver como é que fica o inquérito da Petrobrás, e se é que terá continuidade em outras empresas públicas e contratações de obras e serviços no Brasil.

Você mesmo é capaz de saber, ou ter notícia, de alguma falcatrua praticada por um grupo em conluio com gestores públicos. Se sabe, e se não quiser aparecer, pode passar o serviço para seu cunhado ou alguém mais corajoso e dividir o prêmio da delação – que pode ser maior que a Loteria acumulada do Natal. Bilhões. Já pensou? Por que é que o governo não toma essa iniciativa? Porque vai causar um tremendo mal estar, inclusive botando seus amigos em dificuldade. Eles já estão complicados com o Mensalão e, agora, com o Petrobão. Se a moda pega vai muito político, administradores e gestores para a cadeia. O País não tem sistema carcerário para albergar tanta gente.

A Loteria é um pau-de-sebo criado para dar ao popular a ilusão de que pode ficar rico da noite para o dia, ao preço módico dos cinco reais da pule. É o jogo do bicho do governo. O sujeito joga de tarde para ver se ganha de noite. Não ganha, mas joga na próxima, tem duas vezes na semana. Há quem tire várias vezes, como aquele político que tirou sete vezes. Existe isso em probabilística? Dizem que foi para lavar dinheiro, mas o cara disse que foi Deus que o ajudou. E o inquérito não deu em nada. Será que Deus era cúmplice?

Há esquemas em que os lobistas oferecem ao gestor um projeto em que a entidade que ele dirige recebe uma verba pública para realizar uma obra, ou contratar um serviço, ou comprar um produto, bastando para tanto assinar o contrato superfaturado. Tudo será resolvido, inclusive a licitação. E o gestor ainda vai ganhar uma comissão substancial. O superfaturamento é indispensável, pois a verba vai agraciar políticos do esquema. É assim que se fazem as coisas no Brasil.

Sei de um gestor que se recusou a participar de patranha como essa e perdeu o cargo. Pois ainda tem essa: se o cara recusar a proposta, vai desocupar o lugar para não atrapalhar os negócios do grupo. O gestor tem de engolir o churrasco e ficar calado. Na eleição ele ainda vai receber apoio do lobe, pois o esquema precisa de homens públicos assim. Pobre país de políticos tão ricos, que ainda recebem a aprovação popular. O fenômeno já foi absorvido pela cultura, pois é corriqueiro o ditado “ele rouba, mas faz”. E faz muito.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


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