qui
25
dez
2014

Otávio Sitônio

Até há pouco tempo a cidade tinha mil telefones. Não era qualquer arremediado que tinha um pretinho daqueles na parede. No Clube Cabo Branco havia um porteiro que sabia os números e os nomes de seus respectivos donos de todos os telefones da cidade. Só no começo dos anos sessentas a empresa telefônica ampliou o número de suas linhas, vendendo ações e dando prioridade aos acionistas para adquirirem o equipamento.

A cidade não tinha muitos telefones mas tinha bondes. O primeiro telefonema que atendi foi no Colégio Pio X, dos maristas, onde eu fazia o ginásio até ser expulso. O telefone tocou, pendurado na parede, e eu estava próximo do porta-voz. O irmão (marista) mandou-me atender. Cumpri a ordem

— É para Fulano – comuniquei ao mestre, e coloquei o telefone de volta no gancho.

— Mas você botou o telefone no gancho! Você desligou o aparelho!

Logo também chegaram os anos sessentas e as linhas foram duplicadas de mil para dois mil. Mas os rádios-amadores ainda faziam às vezes do interurbano. Os “macanudos” eram solícitos portadores dos recados graves e urgentes, câmbio. Era fácil identificar a casa de um rádio amador, com sua antena maior que um poste, plantada no jardim.

PY7-MT era o prefixo de Diógenes Sobreira, professor de inglês do Liceu, a Paraíba falando para o mundo. PY7-LAU era o de Zé Correia, câmbio. Depois que perdeu as pernas para a trombose, o agente-fiscal Zé Correia compensou sua limitação física com a patente de rádio-amador. PY7-AJB e Geraldo Sitônio atendia em Caruaru, para um bom papo formado em Direito, Língua Portuguesa, História, Geografia e Economia. Eram todos controlados pelo Exército, pois aquela atividade de lazer era considerada estratégica, e ainda deve ser, câmbio.

No começo dos anos cinqüentas, os rádios receptores – os simples rádios domésticos – tinham de ser registrados nos Correios e Telégrafos. Não estranhe, Doutor Leitor; a Segunda Grande Guerra e a Segunda Ditadura haviam terminado em 1945, e os rádios receptores domésticos podiam servir para os quintas-colunas receberem ordens do Eixo, ou os comunistas receberem ordens de Moscou, ou os democratas receberem ordens de Washington (o Luís).

Uma noite, a campainha do 2170 tocou. Era tarde, já estávamos deitados e as tropas do golpe ganhavam as estradas – segundo me avisava o amigo Marcos Wanderley, na véspera do 1º de Abril de 1964. Nos anos seguintes, a tecnologia foi evoluindo e o brasileiro passou a saber que seu telefone podia ser “grampeado” e sua conversa escutada pela Segunda Ditadura.

Hoje, somos quase todos telepatas, a metade da população do País tem telefone no bolso. Bons tempos, não?

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


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