sex
16
jan
2015

TOQUECAPA LIVRO ALDO

 

Nessas tardes quentes de verão, nada melhor do que uma rede em local ventilado e uma pilha de livros no chão pra gente ir escolhendo a esmo. Dessa foi A Dançarina e o Coronel, de Aldo Lopes de Araújo, Editora Bagaço, 176 páginas. Vou passando as páginas lentamente e degustando as histórias desses personagens saídos da imaginação de Aldo Lopes como se eu conhecesse essa Lendária cidade de Princesa, em pleno sertão paraibano, tão carregada de história que até território independente do Brasil quis ser nos idos da Revolução de 1930.

Aldo Lopes é desses escritores que conhecem profundamente a carpintaria do romance. Digo mais, acho Aldo Lopes um escritor que caminha ombro a ombro com um Raimundo Carrero. Um paraibano e um pernambucano de tutano. Carrero é premiadíssimo, reconhecido pelos críticos do Sudeste. Lopes não, mas é conhecido e apreciado por pessoas como W. J. Solha, um paulistano mais paraibano que todos.

Eu ou um apreciador do verbo de Solha e desse soberbo Aldo Lopes.  

A Dançarina e o Coronel me pegou como me pegaria um filme de Federico Fellini, circense, imaginativo, belo. Logo nas primeiras páginas sou surpreendido com essa frase: “O sol das primeiras horas chupou o orvalho das lonas do circo e foi visto arrastando a sombra do padre Rabelo a uma ave-maria e meia de distância da igreja”.

A tentação de comparar a prosa de Aldo Lopes com a de Gabriel Garcia Marquez é grande, mas é porque o realismo fantástico entrou tão fundo em nossas almas, que não percebemos o quanto a realidade tem de fantástico. Aldo Lopes quer nos lembrar isso o tempo todo.

Depois que você entra nas histórias que vão sendo desfiadas pelo narrador, fica difícil abandonar a leitura desse romance, pelo ritmo cadenciado que ele vai imprimindo em nossa leitura. O mundo descrito por Aldo Lopes não existe mais. Ficou esquecido no baú de nossas avós e enterrado pela falta de graça deste mundo de meninos e meninas com as caras enfiadas numa tela brilhante de celular.

Mas Aldo Lopes não quer que esqueçamos de nada. “Todos os anos por esse tempo os fardos de bacalhau e piracuru empilhados nos armazéns de secos e molhados eram o primeiro sinal de que a Semana Santa estava próxima”. Quem viveu tempos assim não esquece o cheiro do peixe nas cozinhas, o cheiro de incenso nas igrejas. A Perdição de Aldo Lopes é a minha Macau, minha Areia Branca e é também a Princesa dele.

Sou tomado por essas histórias e só largo a leitura quando não há mais claridade possível. Marco a página com um pedaço de papel e sigo a rotina de praia nesses tempos preguiçosos. Na manhã seguinte, estou de volta ao livro. Mais histórias de circo vão sendo desfiadas, as histórias de sexo das meninas de colégio, madres superioras em pânico.

E o que dizer do mágico Saladino Baltazar e suas pirotecnias? Páginas depois pesco essa frase: “Até o maná – iguaria que abrandou a fome e a sede dos hebreus no deserto – caiu por essas bandas”. Então percebo que estou diante de um escritor que sabe reler as escrituras para tornar o real mais fantástico do que realmente é. Percebo a técnica, a malícia do bom escritor.

Um livro desses vai enredando você num novelo de histórias que vão descambar numa história maior. Uma história dos vícios humanos, da maldade e da grandeza dos homens na face da terra. Essa é a função do romance. Tirar você da mesmice do cotidiano e levá-lo para outras dimensões. A Dançarina e o Coronel é um belo romance, um presente para essa humanidade tão desprovida de beleza que habita os nossos dias.

Carlos de Souza [[email protected]]


  Compartilhe por aí: Comente

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *



Ir para a home do site
© TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. É PROIBIDA A REPRODUÇAO PARCIAL OU TOTAL DESTE SITE SEM PRÉVIA AUTORIZAÇAO.
Desenvolvido por HotFix.com.br