sáb
17
jan
2015
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O jornal O Globo publicou textos de Hildegard Angel e de Silvia Pilz que demonstram ojeriza aos mais pobres. A jornalista Maíra Streit escreveu artigo para a Revista Fórum sobre as declarações das duas e relembrando de Danuza Leão, que disse não gostar da ideia de poder encontrar seu porteiro em Nova Iorque. "Esses são exemplos clássicos de que o que incomoda a elite não é a perda de direitos, mas de privilégios. Em um mundo onde ser ‘VIP’ e obter exclusividades são o ápice do prazer aristocrático, a popularização do acesso a educação, saúde, viagens e bens de consumo deve ser mesmo um horror"

Favela 247 – Nesta semana o diário carioca O Globo publicou dois textos que revoltaram muitos leitores e causaram polêmica nas redes sociais. A jornalista Maíra Streit escreveu artigo para a Revista Fórum comentando as declarações de Hildegard Angel e de Silvia Pilz. A primeira sugeriu a segregação dos moradores da Zona Norte da cidade como solução aos arrastões. A segunda debochou da população mais pobre que recentemente teve acesso aos serviços particulares de saúde. Streit lembra ainda de declaração infeliz da socialite Danuza Leão, que em sua coluna na Folha de S. Paulo escreveu que ir à Nova Iorque não tinha mais graça, já que poderia encontrar seu porteiro por lá.

"Esses são exemplos clássicos de que o que incomoda a elite não é a perda de direitos, mas de privilégios. Em um mundo onde ser ‘VIP’ e obter exclusividades são o ápice do prazer aristocrático, a popularização do acesso a educação, saúde, viagens e bens de consumo deve ser mesmo um horror", diz Maíra, que conclui: "Quanto a isso, só resta uma coisa a ser dita: acostumem-se… A tendência é piorar".

Por *Maíra Streit, para a Revista Fórum

Opinião: Por que os pobres incomodam tanto?

Nessa semana, dois textos de colaboradoras do jornal carioca O Globo chamaram bastante a atenção dos leitores, não exatamente pela qualidade do conteúdo em si, mas pelo grau de preconceito destilado em suas palavras.

Em um deles, a colunista Hildegard Angel defendeu a segregação como medida para conter os arrastões em praias do Rio de Janeiro. Entre as sugestões destinadas ao governo, surgiram ideias brilhantes como “diminuir drasticamente a circulação das linhas de ônibus e de metrô no fluxo Zona Norte-Zona Sul” e até mesmo “cobrar entrada nas praias de Leme, Copacabana, Ipanema, Leblon”.

É isso mesmo. Para a colunista, impedir o acesso da população pobre às áreas mais prestigiadas da cidade é uma maneira eficiente de “reprimir as hordas e hordas de jovens assaltantes e arruaceiros”. “As medidas são antipáticas e discriminatórias, concordo. Mas ou é isso ou será o caos”, finalizou. Aparentemente arrependida de suas declarações, Hildegard retirou o texto do ar após uma saraivada de críticas.

Seguindo a mesma linha, os leitores d’O Globo foram brindados com uma publicação pretensamente irreverente, mas nem por isso menos cruel. Em seu blog, Zona de Desconforto, a jornalista Silvia Pilz descreve o comportamento dos mais pobres em consultórios médicos.

Em tom de deboche, ela afirma que essas pessoas costumam inventar doenças e fazem drama para faltar ao trabalho. “Acho que não conheço nenhuma empregada doméstica que esteja sempre com atacada da ciática [leia-se nervo ciático inflamado]. Ah! Eles também têm colesterol [leia-se colesterol alto] e alegam ‘estar com o sistema nervoso’ quando o médico se atreve a dizer que o problema pode ser emocional”, escreveu.

Silvia ridiculariza ainda a procura por mais informações na área da saúde, dizendo que, ao assistir a um programa da Rede Globo sobre o assunto, “o caso normalmente é a dúvida de algum pobre”. “Coisas do tipo ‘tenho cisto no ovário e quero saber se posso engravidar’. Porque a grande preocupação do pobre é procriar”, complementa.

A jornalista enfatiza que, com a democratização dos planos de saúde, fazer exames se tornou um programa divertido para os pobres, que se arrumam especialmente para a ocasião, chegam cedo e, admirados com o ar-condicionado e o piso de porcelanato dos laboratórios, aguardam ansiosamente pelo lanche oferecido após os exames.

Não sabemos exatamente em que país vive a blogueira em questão, mas, no Brasil, a relação entre os pobres e o acesso à saúde está longe de ser engraçada. Embora algumas conquistas sejam evidentes, os planos particulares não funcionam às mil maravilhas e ainda são, sim, um privilégio de poucos. A realidade da população de baixa renda ainda é, em boa parte, a fila do hospital público, a superlotação, a falta de médicos e a dificuldade na marcação de consultas.

O país, de fato, está mudando. Mas o que parece não mudar nunca é a ideia de um ‘apartheid’ social que enche os olhos da classe média alta brasileira, incomodada em dividir o mesmo ar que segmentos antes marginalizados. Impossível não lembrar da afirmação de outra polêmica colunista, a socialite Danuza Leão, que há alguns anos escreveu na Folha de S. Paulo que ir à Nova Iorque não tinha mais graça, já que eram grandes as chances de encontrar o seu porteiro por lá.

Esses são exemplos clássicos de que o que incomoda a elite não é a perda de direitos, mas de privilégios. Em um mundo onde ser ‘VIP’ e obter exclusividades são o ápice do prazer aristocrático, a popularização do acesso a educação, saúde, viagens e bens de consumo deve ser mesmo um horror.

Imagine que absurdo o filho do motorista estudar na mesma faculdade que o seu, ou encontrar a manicure fazendo compras naquela que era a sua loja preferida. Ainda mais ultrajante deve ser ver a empregada jantando filé mignon e dizendo a você que, de uma vez por todas, a escravidão acabou. Haja Lexotan para acalmar os ânimos dessa gente, tão afeita a mandar e desmandar sozinha em seus feudos imaginários. Quanto a isso, só resta uma coisa a ser dita: acostumem-se… A tendência é piorar.

*Maíra Streit é repórter e sempre dedicou a carreira a temas voltados aos Direitos Humanos, em especial à área de Infância e Adolescência. Foi jornalista da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), produtora do SBT e chefiou a Assessoria de Comunicação (ASCOM) da Secretaria de Estado da Criança do Distrito Federal. Recebeu o Prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, na categoria Mídia Alternativa, Comunitária e Online. Foi também finalista do 34° Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos.

Brasil 247


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