sáb
24
jan
2015

Otávio Sitônio

O promotor Alberto Nisman denunciou a presidente Cristina Kirchner e apareceu morto com um tiro de 22 na cabeça. Estranha arma para alguém se suicidar. O cartucho de 22 centésimos de polegada é o mais leve dentre todas as opções de munição. Mais leve que um 22 só se for o 4.5, de ar comprimido. Daria um cafuné na cabeça da vítima, não mais que isso, e pronto. Ora, o promotor dispunha de mais duas armas. De qual calibre? O jornal não diz.

Só sei de duas tentativas de suicídio com 22. Uma foi lamentavelmente exitosa: a do engenheiro Temístocles Maciel Aires, vulgo Major, meu colega de ginásio. Rapaz inteligentíssimo. Por que Temi se suicidou? Não deixou carta; ninguém sabe o porquê de seu gesto. Era bem humorado, sempre com uma piada pronta para fazer os outros rir. Meu primo João Rosas deu um tiro de 22 na cabeça e escapou. Tinha uma bela voz e olhos azuis; teria sido um grande locutor de TV, pois era bonito, somos bonitos. Mas preferiu morrer, o que conseguiu na segunda tentativa, não mais com 22.

Já atirei com a pistola Bersa 22, que matou Alberto Nisman. Tem boa empunhadura e precisão. É gostosa de se atirar com ela. A Bersa 22 é um clone da Walther 7.65 com que os generais nazistas de suicidavam. Era assim que eles faziam o harakiri alemão no fim da guerra. Diz-se que o próprio Hitler disparou um tiro com sua Walther PPK 7.65 na boca, depois de mastigar uma cápsula de cianureto de potássio. Ele queria ter a certeza de que morreria mesmo. Suicidou-se duas vezes ao mesmo tempo.

Sei de um gerente de banco que deu dois tiros de 38 na cabeça. A perícia disse que foi suicídio. Pode? Sei de outro gerente de banco que também disparou duas vezes contra a cabeça, mas usando dois revólveres para cada ouvido, os dois de uma vez. Profissão perigosa essa de gerente de banco. Tive um colega do Fisco que também atirou contra a cabeça. Misturou o dinheiro dele com o do Estado e não soube mais separar. Era gente fina, finíssima, tinha um coração enorme, doava sangue a quem lhe pedisse. Era universal, mas não foi generoso para com ele mesmo.

O Doutor Alberto Nisman tinha duas armas e pediu a Bersa 22 emprestada para se defender – segundo o dono da pistola. Será que o promotor Nisman não sabia que iria implicar quem lhe emprestou a arma? Deve ter demorado para morrer, pois a potência de um 22 é fraca. Quais eram as outras armas de que dispunha? O Clarín não diz. Diz que dispunha de dez seguranças federais.

Dona Cristina Kirchner, a presidente que ele denunciou, e contra quem iria apesentar provas no dia em que apareceu morto, já admite que o fiscal não se suicidou. Dona Cristina disse também que ela era vítima de um complô do qual fazia parte o jornal Clarín. Os argentinos chamam ao promotor de fiscal, pois ele é o fiscal da lei. Estão certos. Doutor Nisman estava fazendo o papel de ombudsman – o todo poderoso fiscal sueco.

O ombudsman havia denunciado que dona Cristina estava tentando abafar as investigações sobre o atentado contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em 1994, em Buenos Aires, quando perderam a vida 85 pessoas. O ombudsman achava que o Irã também estava envolvido, e que Dona Cristina estava tentando tirar o Irã das investigações. Aí, apareceu morto, sem resíduos de pólvora ou de chumbo nas mãos. Qual teria sido a mão que matou Doutor Nisman, dentro da banheira?

Essa charada lembra a morte do vice-governador eleito Raymundo Asfora, que foi achado suicidado na sua casa, em Campina Grande, com um tiro de Magnum 357 na cabeça, aos seis de março de 1987. Todo suicídio é considerado suspeito pelos criminalistas. A morte de Raymundo Asfora rendeu dezenas de anos, até que a Justiça admitiu que foi homicídio. Um assassinato sem assassinos, pois absolveu os réus.

Sobre a morte do vice-governador foram escritos sete laudos, até que o legista Genival Veloso deu o seu, confirmando o homicídio, e encerrou o assunto. Doutor Genival é considerado o maior legista da América do Sul, e é leitor do Clarín. Será que Dona Cristina sabe disso?

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


  Compartilhe por aí: Comente

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *



Ir para a home do site
© TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. É PROIBIDA A REPRODUÇAO PARCIAL OU TOTAL DESTE SITE SEM PRÉVIA AUTORIZAÇAO.
Desenvolvido por HotFix.com.br