qui
16
abr
2015

“Quem atrasa o pagamento da luz é porque não pode pagar. O pagamento não deve provocar o simples apagamento”

OTÁVIO SITÔNIOOtávio Sitônio Pinto

Duas irmãs morreram abraçadas no incêndio de sua casa, quarta-feira, oito deste abril 2015, na Comunidade Riachinho, bairro 13 de Maio, em Parahyba. O sinistro se deu à noite, provocado por uma vela acesa no quarto das meninas. A casa estava com a luz cortada à falta de pagamento. Maria Vitória tinha nove anos, Maria Cecília tinha oito. A mais nova pedira à mãe para acender a vela, pois estava com medo da escuridão. Maria Cecília pediu para apagar, mas venceu o pranto de Vitória. O beliche de ferro ficou todo empenado; bloqueou a porta.

A conta atrasada somava 350 reais (cem euros), quantia que Cibele Campos, a mãe das meninas, não possuía. Pediu ao pai, pediu à vó, mas ninguém tinha, ou não quiseram dar. A Energisa cortou a luz.

Lembro-me do festival internacional de cinema que de dois em dois anos a Energisa promove com seu mecenato. É o Cineport, uma atitude louvável. Cineastas de língua portuguesa têm oportunidade de mostrar seu trabalho, e o povo tem vez de ver.

Ano passado pude ver e ouvir boa música portuguesa, ao vivo, nas vozes de Carminho e Lula Pena. Carminho é o diminutivo de Carmem; em Portugal, vai para o feminino. No Brasil, diríamos Carminha. E Lula Pena é o aumentativo dela mesma, com sua voz grave e única, e seu violão econômico de notas, acompanhando sua solidão no palco. Sou fã. No festival, encontrei os irmãos Vladimir e Walter Carvalho. Um prêmio que ganhei, eu que não concorri.

Quero dizer com isso que a Energisa tem e gasta dinheiro. É generosa com as artes e os artistas. Mas pode e deve gastar, também, com assistência social. Acredito que gasta, mas pode fazer mais – haja vista a tragédia do Riachinho, em que perderam a vida as irmãs Cecília e Vitória. Corte de luz só deveria ser feito após análise das condições financeiras dos devedores. Quem atrasa o pagamento da luz é porque não pode pagar. O pagamento não deve provocar o simples apagamento. O dos pobres, bem que poderia ser abatido, parcialmente, no recolhimento dos tributos.

E às vezes a falha não é do pagador, mas de quem cobra. Sei de um deputado que a antiga Saelpa chegou à sua casa para cortar a luz, que estava em dia, em pleno dia. Pararam a camioneta junto ao poste e o funcionário começou a subir para cortar. Sua Excelência pegou o revólver (um Smmith 38, conheço os dois) e apontou para o homem: “se cortar, morre”. A equipe do corte voltou para a sede da empresa e a luz continuou a brilhar para todos.

Na passagem de ano de 1890, os reis da Bélgica estavam comemorando o evento no Castelo Real de Bruxelas, tido como um palácio de cerimônias e despachos. Deixaram a infanta princesa Clementina dormindo no Castelo Real de Laeken (ou Schooenenberg), a residência dos reis. Não se abe como o castelo pegou fogo. A criada Antoniette percebeu o incêndio e conseguiu salvar a princesa Clementina, mas não pôde retirar sua aia de nove anos, menina da ilustre e nobre família Drancourt, que dormia com a princesa. Seu nome perdeu-se no incêndio (cartas para o repórter).

Castelos são voláteis, assim como as casas dos pobres. Castelos têm muitas sedas, cortinas e tapetes, e velas acesas. É possível que o castelo de Laeken ainda não tivesse iluminação elétrica, pois a lâmpada de Edson foi inventada em 21 outubro de 1879, e era o primeiro dia do ano de 1890. Noutro janeiro, o de 1869, o príncipe Leopoldo, 9, morrera afogado num tanque de Laeken. O castelo é maldito como os castelos. Na Segunda Guerra Mundial, foi a prisão dos reis da Bélgica. Outrora, fora a residência de Josephine de Napoleão.

A maldição parece estender-se às casas dos pobres, pois o Castelo do Riachinho pegou fogo, já na era da luz elétrica e da Energisa. Era o castelo das irmãs Campos. Outro castelo que pegou fogo foi o da boate Kiss, em Santa Maria, Rio Grande do Sul, em 27 de janeiro de 2013. Um castelo de classe média, pois cada qual tem o castelo que pode. Na boate Kiss também morreram duas irmãs, Franciele e Cecília Vargas. Morreram ainda centenas de pessoas, e outras centenas ficaram feridas ou intoxicadas. Castelos são mal assombrados, sejam de ricos ou de pobres.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


  Compartilhe por aí: Comente

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *



Ir para a home do site
© TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. É PROIBIDA A REPRODUÇAO PARCIAL OU TOTAL DESTE SITE SEM PRÉVIA AUTORIZAÇAO.
Desenvolvido por HotFix.com.br