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05
ago
2015

“O roubo, no Brasil, tornou-se cultural, como em algumas tribos do deserto. Haja vista a expressão “bola roubada”

OTÁVIO SITÔNIOOtávio Sitônio Pinto

A Lava Jato saturou o público-alvo com o noticiário insistente e repetitivo sobre o mesmo tema: propinas, milhões, empreiteiras, políticos, carceragem. Seria mais interessante se desse uma pausa para aliviar os ouvidos do telespectador. Seria bom até para facilitar a venda dos comerciais, pois o tempo das emissoras seria valorizado. O índice de afastamento – aquele em que o da poltrona se levanta para beber ou verter água – está muito alto.

Quando a locutora anuncia uma notícia da Lava Jato, se tem a impressão que “essa eu já ouvi”. É a mesma de sempre: Fulano foi delatado por Sicrano que recebeu milhões para facilitar tal negociata com aquela empreiteira. O mesmo acontecia com o noticiário dos jogos Pan-Americanos. Era esporte e atletismo o tempo todo, quando se mudava de canal vinha o mundial de vôlei. Agora, quando se sai da Lava Jato, entra a Para Olimpíada. O público ficou sem opção.

Como é ruim a programação da TV. A alternativa da Para Olimpíada, da Lava Jato e dos jogos da semana é o noticiário policial. Também este traz sempre as mesmas coisas: a moça que foi assaltada, estuprada e morta, a criança que foi atingida pela bala doida, o trabalhador e pai-de-família de quem tomaram o celular e depois mataram. Aos fins de semana, a enchente que matou dezenas de pessoas; ao fim do mês, o avião que caiu sem sobreviventes.

Interessante é notar que essas notícias têm um entrelaçamento: os escândalos da Lava Jato têm a ver com os assaltos à luz do dia, pois o dinheiro roubado à Nação falta na construção de escolas e de cadeias, ambas fundamentais para a manutenção da ordem pública. Faz falta, ainda, para a contratação de agentes da polícia e da justiça: no Brasil, campeão mundial de homicídios, apenas dez por cento desses homicídios são elucidados. Os outros 90 % permanecem impunes.

O próprio roubo, em si, praticado pelo político em conluio com o empresário, constitui estímulo para o crime dos comuns – pois é mau exemplo, ainda maior pela impunidade. O roubo, no Brasil, tornou-se cultural, como em algumas tribos do deserto. Haja vista a expressão “bola roubada”, ou “roubou a bola”: é usada e abusada e saturada pelos locutores esportivos. Antigamente se dizia “corta Bellini… ou “corta De Sordi… recupera Zito…

Os zagueiros cortavam, desarmavam o adversário; hoje, roubam a bola. Se os zagueiros, como Djalma Santos e Newton Santos, heróis do homem do povo, podem roubar a bola – o mais importante e valioso fetiche do imaginário popular – o brasileiro poderá roubar o que quiser. Ainda mais quando ele é informado que o seu senador roubou tantos e quantos do patrimônio público, e que o assaltante, o assassino e o traficante foram soltos à falta de provas.

A Operação Lava Jato traz uma importante contribuição para a moralização dos costumes políticos do Brasil; por isso mesmo deve ter seu noticiário valorizado, sem a repetição ad nauseam a que está submetida. É como o Carnaval: se tivesse todos os dias do ano, ninguém aguentava, perdia sua graça. Mas o povo sabe fazer suas festas a tempos certos, por tempo certo: Carnaval, São João, Natal têm seus períodos estabelecidos, escalonados durante o ano, por dias contados.

Mas a Lava Jato monopolizou os meios de comunicação, quer o tempo e o espaço dos veículos só para ela. Há mais de um ano que o grande escândalo ecoa nas quebradas do Brasil, como um aboio da História… “ê-ê, povo de gado…” Aboio foi feito pra boi dormir, pra relaxar o rebanho na caminhada. Mas pode ser cantado para despertar o povo também. Só que não se canta o tempo todo, se não enjoa. O vaqueiro só canta acolá, aqui e ali deixa o boi mugir, o bezerro berrar.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


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