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17
set
2015

OTÁVIO SITÔNIOOtávio Sitônio Pinto

Dez e dez e agora que vou começando a crônica, para ser entregue até o meio-dia. Inda bem que tenho dois assuntos, o mais difícil é ter os assuntos. A Câmara do Vereadores concedeu à Elisabete Teixeira a comenda de Margarida Maria Alves. Para os que nasceram depois de 1962, informo que a grande camarada Elisabete Teixeira é a viúva de João Pedro Teixeira, líder camponês morto pelo latifúndio há mais de meio século, na Paraíba, na luta pela reforma agrária.

O outro assunto são as mesinhas herdadas do grande camarada povo para combater as macacoas puxadas aos avoengos. Sobre este último tenho refletido desde alguns dias, e, por isso, é a bola da vez. As ligas camponesas ficam para depois, o outro assunto também é sério.

De minha avó Clotildes herdei os pés inchados. Quando ela morreu (não sei se foi do inchaço nos pés), eu tinha quatro anos. Portanto, já lá vão bem mais de meio século. Faz tempo, mas me lembro da mesinha que vó Tida usava. Ela colocava os pés dentro de uma bacia com água quente. Não sei do resultado, mas devia servir, pois ela usava sempre esse recurso. Minha avó paterna tinha um nome bonito. Só conheci outra mulher com esse nome, a escritora Clotilde Tavares, sem o “s”.

O que mais minha avó fazia uso para seus pés? Não sei, e quem podia saber já se foi. Agora faço parte dos velhos da família – tenho dito aos primos. Só tenho uma pessoa a quem tomar a bênção, tio Odon, meio-irmão da minha mãe. Meio porque meu avô se casou três vezes. O meu avô materno João Francisco Sitônio, marido de Francisca, Joana e Maria. As duas primeiras eram irmãs, casadas com João. Chamava-se a isso “sororato”. Se a falecida deixasse irmã solteira, o viúvo tinha obrigação de se casar com a cunhada – “para não dar madrasta aos filhos”.

Outra mesinha (dizia-se “meisinha”) dava no quintal da minha avó paterna, em Jaguaribe. Havia um pé de veludo. Era um arbusto no qual eu subia. Dava flores cor de vinho, agradáveis ao tato. É o que me lembro. Os adultos diziam que serviam de remédio, para o quê não sei. Meu avô Gratulino (nunca ouvi esse nome exatamente assim, noutra pessoa) usava degustar grãos de marcela após o almoço e jantar.

Essa mesinha ajudava a digestão. A marcela vinha do Sertão, pois, se havia na feira da Capital, não se sabia. Ainda não sei. Na “Feira de mangaio”, de Glorinha e Sivuca, não há referência a raizeiros, mesinheiros: nada é perfeito e completo. Para indigestão, chá de flor de mamão.

Do meu pai herdei a enxaqueca. Dava que derribava na dura calçada. A mesinha foi o velho tempo.

Tomava-se chá de capim santo e de eucalipto para gripe, chá de cidreira para dor de barriga, chá de canela para o quê? Para a garganta? Já me esqueci. Água dormida de hortelã da folha miúda serve para ameba. Chá de folha de abacate para os rins. O caroço do abacate, triturado, coado, e conservado em bom álcool (o mais puro é a vodka), é mesinha para o popular câncer. Assim: tritura-se dois caroços de abacate para uma garrafa de vodka, coloca-se numa garrafa de cor âmbar, e guarda-se num armário escuro por duas semanas. A mesinha está pronta para se tomar, duas colheres de horas em horas. Tem curado gente. Leite de jumenta cura crupe; meu tio Zé Pinto, do Banco do Brasil, escapou assim.

Outra mesinha para o câncer de todos nós é a babosa. Raspam-se os delicados espinhos da babosa, lavam-se os talos e trituram-se esses em bom álcool – que pode ser vodka, uísque, rum ou cachaça. Duas colheres a cada três horas. Outra mesinha para o velho câncer, mais fácil de fazer, é o chá de graviola. Colocam-se duas folhas de graviola numa pouca de água e deixa-se ferver. Diz-se que é mesinha poderosa. Toma-se à vontade, por regalo. Cura uma doença incurável: o diabetes, pior do que câncer, pois brocha, cega, arruína as pernas e paralisa os rins. Aí, mata. Comecei a tomar graviola, pois herdei da velha mãe o diabetes. Ela era sovina, podia ter me poupado dessa herança.

É meio-dia.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


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