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08
out
2015

OTÁVIO SITÔNIOOtávio Sitônio Pinto

O primeiro filme até 14 anos que vi foi Vidas Amargas (East of Eden), Elia Kazan, 1955, com James Dean no papel principal, Cine Plaza. Era um cinema que ficava no Ponto de Cem Réis, a linha do bonde passando na porta. Lá de dentro se ouvia a zoada do trem elétrico, mais ainda nas sessões noturnas, quando as derradeiras cadeiras estavam mergulhadas na gruta do silêncio.

Não eram poltronas, eram cadeiras mesmo, de madeira, e serviam para fazer zoada quando o mocinho e seu cavalo estavam perseguindo os bandidos nas pradarias do faroeste. Não sei como se municia um revolver com o atirador montado num cavalo a galope. Ainda mais como se acerta um tiro no a favor do bandido, os dois em disparada. Coisas de Hollywood, né?

Martinho, como era mesmo o nome do bandido? E de seu a favor? Parece que essa gente não tem nome, ou não tinha – até que João Ford fez o seu clássico “O homem que matou o facínora” (The man who shot Liberty Valence). O bandido ganhou o título do filme, e mais um Oscar de melhor coadjuvante para Lee Marvin.

Essa bossa de dar o título do filme ao bandido teve continuidade em “Butch Cassidy” (Butch Cassidy and the Sundance Kid, direção de George Roy Hill, 1969, fotografia primorosa de João Howard), com a dupla de bandidos estrelada por Robert Redford e Paul Newman, ambos perfeitos. Mais a rapariga de Sundance com a bela Katharine Ross no papel, belíssima, demais.

Até então, as amantes dos bandidos não eram tão bonitas daquele jeito. Remember Kate Fisher, a rapariga de Doc Holiday em “Sem Lei e sem Alma” (Gunfight at the OK Corral), de John Sturges. A mesma atriz de “Vidas amargas”, Jo Van Fleet e seu grande desempenho. Acharam a mulher com cara de puta e lhe deram esse papel pelo menos duas vezes. Vi Kate 15 vezes, perdi a conta. Não assisto mais; minha patrulha não deixa. O que os camaradas vão dizer?

“Vidas amargas” era quase um faroeste, pois era um filme rural, ambientado na fazenda do pai do artista, no Vale das Salinas, Califórnia. Menos cavalos e bois, adaptação da obra de John Steinbeck. O protagonista plantou feijão para vender aos países envolvidos na guerra, a primeira mundial.

Um crime dos grandes. Quando seu a favor descobrir que a mãe era cafetina, e ele filho da puta, se alistou para ir à guerra, bêbado até a alma. O pai teve um AVC. Vidas amargas. O título em português era mais exato, não sei se João Batista concorda. O título brasileiro, pois em Portugal foi “A leste do paraíso”, hein Filipe?

Por causa dessa patente de filho da puta ganha pelo a favor do artista, “Vidas amargas” foi impróprio até 14 anos no Cine Plaza, em seu ano de lançamento no Brasil, 1956. Eu tinha onze e não podia perder o filme da minha geração, James há pouco tinha morrido, estávamos sob comoção. Vesti meu terno cinzento e fui à matinê de gravata. Estava tão nervoso que esqueci de pegar o troco na bilheteria, voltei, entrei duas vezes, tremendo como um alistado para a guerra.

Com “Um fio de esperança”, em PT “Alto e poderoso” (The hight and the might), não teve jeito. A fita passou no Cine Rex um pouco antes de “Vidas amargas”, e eu não tinha nem onze. Perdi o filme até 14. Tive de me contentar em ler o romance de Ernst Gann quatro vezes. Era aquele filme em que a página abria com o assobio da música belíssima, que todo mundo aprendeu a assobiar.

A música foi Oscar. Feito “A ponte do Rio Kwai”, 1957, o povo assobiando o dobrado “Colonel Bogey march” ad nauseam, de Ricketts, 1914. Até a banda da polícia tocou no desfile do Dia 7 de Setembro, o dia dos exus (sou devoto de Zé Pelintra, o exu do semiárido nordestino, terno branco, chapéu idem, sentado “no bueiro da usina, de chapéu do panamá, de gravata e de botina”.)

Como eu disse, li o livro quatro vezes, como se estivesse assistindo ao filme. Até que a era do computador chegou e pude ver na internet a fita proibida. Depois, comprei a dita numa edição para colecionadores, o filme acompanhado de um remake com a história da restauração da fita, mais a crônica da filmagem e do filme. Virara moda, foi seguido por outros filmes de desastre de aviões e tubarões.

“Um fio de esperança” foi produzido e estrelado por John Wayne, que atravessou o Pacífico pilotando um avião DC-4 pegando fogo, o quadrimotor só com dois motores, no fim só com um. Mas chegamos.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


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