“Eu era menino pequeno quando vi Zoroastro pela primeira vez, os tocos dos braços emergindo da camisa. Assustei-me; choramos”
Otávio Sitônio Pinto
Devo uma explicação ao bravo leitor. Presumo que o leitor já sabe; devo, portanto, ao que não sabe, igualmente bravo. Trata-se da evolução de “baê”. Tem jeito de palavra indígena, mas não é. Faz falta na biblioteca brasileira um livro constante dos topônimos nacionais, de origem indígena, com a explicação aos bravos leitores dos nomes das cidades, rios, serras etc, batizados que foram pelos primeiros habitantes do Brasil. Conheci de perto o linguista que podia ter feito esse trabalho, mas ele já se foi para Aruanda, e não transmitiu esse conhecimento às gerações. Porque Zé Elias não fez, não sei.
Silveira Bueno, no seu Vocabulário Tupi-Guarani Português, dá “baé” como “sujeito cujo nome se ignora”. Mas não é por aí que procuro a explicação para o topônimo. “Baê” é a pronúncia, em português do Brasil, da palavra francesa “Bayeux”. Trata-se da primeira cidade da França a ser libertada do jugo nazista, durante a II Guerra Mundial. O acontecimento se deu em sete de junho de 1944. Mas ainda não se estabeleceu a efeméride, a ser comemorada durante as vésperas juninas, na cidade brasileira que porta esse nome. Antigamente, o lugar chamava-se “Barreiras”, à beira-rio que era. Mas, com a notícia da libertação, o nome foi dado à povoação ribeirinha do Sanhauá.
Zé discordava da denominação de “tupi-guarani” à língua dos índios brasileiros litorâneos. Ele queria a palavra separada: guarani para os indígenas do sul, tupi para os litorâneos mais ao norte, que ocupavam inclusive a planície amazônica. “O termo é impróprio, como seria a expressão portugo-espanhol, dizia Zé”, Nesse entendimento, ainda poderiam ser acrescentados os idiomas e dialetos caribenhos, fazendo do tupi uma das línguas de maior extensão geográfica da terra.
O bravo leitor pode não acreditar, mas não era sobre isso que eu queria falar. Não me lembro mais qual seria o assunto dessa crônica. Por que Bayeux, a II Guerra, os silvícolas, Zé. Os despeitados o chamavam de “Zé do Índio”. Era um linguista que falava uma dezena de idiomas, inclusive Tupi e Cariri. Um dos poucos conhecedores de Cariri. Deixou até a minuta de uma gramática Cariri, que ainda não foi publicada postumamente, em que pesem os apelos deste escriba. Perto do seu encantamento, ele me mostrou o lugar em que os originais de sua gramática estava na sua biblioteca. Morreu e o livro ainda não apareceu.
E a II Guerra, hein? A cidade francesa com sua representação no Brasil, sua tapeçaria famosa servindo de motivação e êmula a uma tapeçaria local, feita de sisal – matéria prima abundante nas fábricas de beneficiamento da agave, em Bayeux. Esta é a planta, o vegetal; sua fibra é que vem a ser o sisal. Daí a expressão “agave sisaleira”, ou também “agave forrageira” – o nutriente de bois. Mas sua cultura é uma atividade em extinção. Que o diga o escritor Gonzaga Rodrigues, um dos raros estudiosos que se debruçam sobre o tema e o momento econômico dessa atividade agroindustrial, mais importante por ser xerófila: não há seca que mate um campo de agave.
A cultura do agave está perecendo como a mão-de-obra que foi decepada pelas máquinas primitivas e assassinas. Zoroastro perdeu os dois braços, engolidos pelo desfribador. O que não impedia que ele atravessasse a nado o Açude Grande, em Princesa, construído no governo do Presidente Epitácio Pessoa. Eu era menino pequeno quando vi Zoroastro pela primeira vez, os tocos dos braços emergindo da camisa. Assustei-me; choramos.
Trouxeram o agave do México, assim como a palma. Esta ainda não foi absorvida pela cultura do semiárido. Também serve ao arraçoamento humano, com sua fruta e suas raquetes servidas como sopa ou verdura. Bravo leitor, faça de conta que era esse o tema da crônica.
*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.
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