ter
02
fev
2016

Tinha um cheirinho de cão, mas até que o diabo não fede muito; cheira mesmo a enxofre

OTÁVIO SITÔNIOOtávio Sitônio Pinto

Tenho estreitas afinidades com João Batista Barbosa de Brito. Ele é um cinéfilo inveterado, eu sou um cinófilo (sic) incorrigível. Digo que sou incorrigível porque, em primeiro lugar, sou incorrigível mesmo, em todas as coisas; em segundo lugar, porque já fui mordido por cachorros duas vezes, na cara, uma vez de cada lado, perto do nariz. Meu cachorro Tupã (meu primeiro cão) mordeu-me só porque fui tirar o osso da sua boca. Isso já faz uns sessenta e tantos anos. Depois disso, Tupã sumiu. Um cachorro preto, meio basset. Quem o encontrar favor dar notícias ao e-meio supra.

Só no ano passado suspeitei do motivo do sumiço de Tupã: meus pais devem ter despachado o cachorro, para ele não me morder outra vez. Por um triz não arrancou meu nariz. Mas até hoje crio cachorros. Tenho um pointer inglês, preto e branco, e um terrier brasileiro, preto, branco e canela. Não sei se João Batista tem cachorros; mas, como cinéfilo, assiste a muitos filmes. Quem sabe, algum de Lassie ou Rin Tin Tin. Quando eu era meninão queria muito ter um pastor alemão como Rin Tin Tin. Depois, tive um casal, Lucy e Barney. (Já recebi os dois adultos, com esses nomes.)

Por falar em pastores alemães, não sei se J. B. Brito viu o filme “O menino dos cabelos verdes” (The Boy with Green Hair). Trata-se de uma película (como se dizia naquele tempo) sobre um menino que perdeu os pais numa blitz em Londres, durante a Segunda Guerra Mundial (aquela que o Brasil ganhou da Alemanha, de sete a um, em 1945). O filme foi dirigido por Joseph Losey; a guerra por Churchill, Roosevelt, Stalin, Mussolini, Hitler, De Gaulle, Mao, Hirohito e Getúlio.

Na sua juventude, Hirohito foi nomeado tenente do Exército e sub-tenente (alferes) da Marinha. Ficou no trono até morrer: não saiu nem quando perdeu a guerra. A rendição do Japão (Cipango) não foi incondicional, pois os japoneses conseguiram impor a permanência de Hirohito, assim como sua anistia. Como Napoleão, ele tinha um cavalo branco, chamado Neve Branca (Shirayuk), como Silver de Zorro. Diz-se que não há cavalos brancos, mas rosilhos, outros tordilhos. Os meus pastores eram canários (a cor). Barney era importado da Alemanha, tinha um forte sotaque. Suzy era ferocíssima, mais que o marido.

Um dia apareceu na minha cabeça um parasita parecido com impingem. Não ardia nem coçava, mas era inamovível. Minha mãe levou-me ao médico, foi em vão. Apelou para remédios naturais: esfregava folhas de fava na minha cabeça. Meus cabelos ficaram verdes, como os cabelos do menino do filme. Minha mãe levou-me até à santa que chorava, em Jaguaribe.

Aí um representante de drogas disse a minha mãe que eu fosse buscar um remédio na sua casa. Ele me deu dois tubos de amostra grátis e eu fiquei bom, até hoje. O homem morava na esquina de cima da Ladeira da Borborema, perto do Colégio das Neves Eternas e da Basílica de Nossa Senhora das Neves. Tudo branco, como o cavalo Neve Branca, de Hirohito.

Não fixei o nome do representante de drogas que me deu os dois tubos de Estoraxol: um santo homem, um santo remédio. Estoraxol tinha um cheirinho de cão, mas até que o diabo não fede muito; cheira mesmo a enxofre. Toda vez que passo na ladeira me lembro do homem. Sua casa era a de número 26, na Rua São Mamede. Do outro lado da rua, as neves do colégio e da Basílica.

Houve um tempo em que em frente à casa do representante tinha um clube de jazz, mas durou pouco. Era na casa 16, também de esquina. O entorno forma um conjunto arquitetônico bonito, principalmente domingo à tarde. Feia só a Basílica, mistura de vários estilos. De vez em quando varejo as ladeiras da antiga Festa das Neves, pastos do cavalo de Hirohito, mas não vejo seu representante.

P.S.: Se você acha minhas crônicas sem pé nem cabeça, fique sabendo que o professor e crítico J. B. Brito gosta assim mesmo. Pelo menos é o que diz. Eu não gostava não, mas fiquei gostando depois que li alguns comentários dele. Meus cabelos voltaram a ser verdes.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


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