ter
29
ago
2017

Pereira Sitônio PintoPereira Sitônio Pinto

(da Guarda Nacional)

“Dois rios que nascem nas Gerais refrigeram o Nordeste: o São Francisco e o São José”

Fui escalado para fazer um discurso representando os jovens da paróquia de Santa Júlia na visita que Dom José nos fez, quando assumiu a arquidiocese da Paraíba. Nunca fizera um discurso, ainda hoje não gosto de fazê-los nem de ouvi-los. Como diria Jânio Quadros, não fi-lo porque qui-lo”, mas porque me mandaram, e obedeci. A emoção sufoca-me a voz, só não sufoca o pranto. Por isso, escrevo o discurso e peço a alguém para ler, como pedi em duas ocasiões ao poeta e primo Sérgio de Castro Pinto para ler meus discursos na Academia Paraibana de Letras – uma vez em que ganhei quatro prêmios num concurso literário e na vez em que tomei posse na cadeira 30. Fi-lo também quando tomei posse no Instituto Histórico e Geográfico Meu tio e coronel Zepereira também era assim, e “quem puxa aos seus não desunera”, diziam os antigos, dizia meu pai.

Aí eu escrevi o discurso de saudação a Dom José, mais ou menos no estilo de Assis Chateaubriand, de quem fui leitor (e de vez em quando ainda sou). Não sei se Dom José gostou; eu gostei, mas não arquivei o texto. Começava mais ou menos assim: ‘dois rios que nascem nas Gerais refrigeram o Nordeste: o São Francisco e o São José.’ Hoje, eu acrescentaria que a nomeação de Dom José para a Arquidiocese da Paraíba foi uma espécie de transposição de um rio mineiro. Não gosto da transposição do outro, pois sou contra agricultura de cano, como se diz lá em nós. Mas Dom José foi agricultura de Deus, asperges que a divindade usa, na mão do celebrante, para aspergir água benta sobre os fiéis. A i-água que o Opara trará não dará nem pra o lava-pés da quinta-feira santa.

Quem foi que trouxe Dom José à Paraíba? Ele veio por força do prestígio de Dom Hélder Câmara no Vaticano. O arcebispo de Olinda e Recife queria por vizinho um bispo identificado com a igreja popular, aliada da parte mais fraca, hipossuficiente, ao tempo em que surgia a teologia da libertação. Era a opção pelos pobres, feita pela Igreja. Dom José assumiu a Arquidiocese da Paraíba em plena ditadura militar. Corria o ano de 1966, tempo em que até os anos corriam da truculenta repressão que caracterizava a ditadura. Tempo em que até os representantes da Igreja eram trucidados pelo regime, como foram o padre Henrique (assessor de Dom Hélder, morto em 1969), Frei Tito (1974), que enlouqueceu e suicidou-se após ser torturado pelo delegado Fleury, e outros.

Eu ia dizendo que Dom José foi um dos rios que nascem nas Minas Gerais e refrigeram o Nordeste. De fato, sua vinda ao mundo se deu em Córregos, um distrito do município de Conceição do Mato Dentro ( 167 km de Belo Horizonte), em 1919. Assim são conhecidos os pequenos cursos d’água que vêm a formar os rios. Dom José nasceu nas margens de um deles, o rio Santo Antônio, num vilarejo de 432 habitantes, produtor de ouro e diamantes durante a colonização. Dessas gemas, o diamante negro veio parar na Paraíba. Aqui ele ganhou o apelido carinhoso de Dom Pelé, outra personalidade de Minas Gerais. Os dois são negros, pois Minas é o estado brasileiro que abrigou em suas serras o maior número de quilombolas. Muitos foram exterminados pela repressão escravocrata.

Dom José tinha uma tradição de resistência nas lutas contra a opressão. E fez valer essa resistência nos 29 anos em que passou na Arquidiocese da Paraíba, em defesa dos mais pobres ou dos perseguidos pela ditadura – quando albergou no Seminário Diocesano estudantes perseguidos pela repressão. Na idade média, a Igreja era coito inviolável para os arribados e foragidos. Dom José será sepultado na Paraíba, perto dos rios secos a que tanto amou. Durante anos se fez ouvir diariamente pela Rádio Correio da Paraíba. Era fluente, como nos sermões, e sua voz de contralto inconfundível, com um português eclesiástico perfeito – do tempo em que nos seminários só se falava latim. O bispo mais velho do Brasil podia pregar o Sermão da Montanha sem amplificador. Fosse na Mantiqueira ou Borborema, na Paraíba ou em Minas.

*Jornalista, escritor, poeta, ensaísta, publicitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste.


  Compartilhe por aí: Comente

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *



Ir para a home do site
© TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. É PROIBIDA A REPRODUÇAO PARCIAL OU TOTAL DESTE SITE SEM PRÉVIA AUTORIZAÇAO.
Desenvolvido por HotFix.com.br